terça-feira, 27 de março de 2012

COSMOVISÃO E IMAGINÁRIO

                   

Foto do Dr. Glauco Filho falando sobre o tema "A Crise da Linguagem e a Teologia" no VIII Congresso de Teologia Vida Nova ("Apologética Contemporânea para um mundo de incertezas")



                   O Imaginário corresponde ao “sem fundo” do ser humano, ou seja, ao seu aspecto insondável. É por ele que ressentimos o mundo de forma criadora.
                   O imaginário é anterior à racionalidade e à imaginação, sendo a condição de possibilidade tanto de uma como da outra. Ele se expressa pela razão (logos) e pelo sentimento (pathos). Nele, encontramos um manancial criativo simbo-lógico (simbólico e lógico). Desse modo, o imaginário não é “sufocado” pela racionalidade, mas também não está justificado para agir de modo inconsequente. A razão não pode existir sem a fundação no imaginário, enquanto o imaginário se expressa por meio de determinações lógicas impostas pela razão. Até mesmo quando o imaginário transcende a razão, ele tem “razões”. Como disse Pascal, há razões no coração que razão não compreende.
                   A imaginação (segunda vertente do imaginário ao lado da razão) é que dá significado às imagens. Ela revela as potencialidades do ser humano para impregnar a realidade de sentido, ordenando o caos das sensações. Quando Deus chamou a Adão para dar dome aos animais, ele deu ao homem a prerrogativa de conferir sentido ao mundo. Obviamente, isso não aconteceu de modo arbitrário, pois o homem, como sub-criador, teria que criar sentido dentro do escopo da criação divina e não de modo antagônico a ela.
                 O imaginário representa uma abertura para a transcendência ou para a “alteridade”. É o que permite o salto da natureza para a consciência. Como a natureza não pode extravasar os seus próprios limites, Castor Bartolmé Ruiz conclui:

“... Esse salto qualitativo da natureza para a consciência extrapola qualquer forma de evolução simplesmente natural e nos força a repensar a presença de uma ação criadora além da mera evolução da consciência animal”.

                É através do imaginário que atribuímos sentido as coisas e as religamos numa rede significativa chamada de cosmovisão. Bartolomé Ruiz explica:

“A pessoa se religa ao mundo por meio da rede de sentidos que constitui sua identidade. É assim como transforma o caos das impressões sensoriais num cosmo de sentidos... Ele configura o mundo natural dado como um cosmo de sentidos criados, uma cosmovisão”.

               Toda cosmovisão presume um sistema metafísico. Segundo Dilthey, somente a metafísica possibilita ao homem uma firme posição na realidade e uma meta objetiva a ser seguida. Willhelm Dilthey também observa que todo sistema filosófico encerra pressupostos indemonstráveis. Isso não significa que não se possa argumentar a favor de um ou de outro, mas, sim, que essa argumentação visa à persuasão, não à demonstração.
               O “sem fundo” humano é o imaginário radical (de onde brotam a racionalidade e a imaginação). Ele também pode ser chamado de coração (Pascal) ou o “eu” (Herman Dooyeweerd). Como esse imaginário radical define a cosmovisão e as questões últimas (quem somos, de onde viemos, para onde vamos), ele é necessariamente religioso. Mircea Eliade diz que o “homem arcaico” é religioso e Georg Simmel fala de um sentimento radical de piedade que atribui sentido transcendente a certas relações.
                Herman Dooyeweerd explica que o pensamento teórico “está sempre relacionado ao eu, ao ego humano; e esse ego, como centro e unidade radical de nossa existência e experiência total, é de natureza religiosa. Assim, todo o autoconhecimento real é dependente do conhecimento de Deus, uma vez que o ego é o assento central da 'imago Dei'”.
               Para Dooyeweerd, as principais forças teóricas que tem atuado no Ocidente para definir cosmovisões são as dicotomias “forma-matéria” (Grécia clássica), “natureza-graça” (catolicismo romano), “natureza-liberdade” (humanismo), bem como a tricotomia “criação-queda-redenção” (cristianismo primitivo e evangélico). Para o jurista e filósofo holandês, os três primeiros exemplos são formas apóstatas do direcionamento religioso do “eu”, enquanto a tricotomia “criação-queda-redenção” representa a orientação sã do ego religioso.
                Atualmente, o pensamento pós-moderno é apresentado como o fim das grandes narrativas (cosmovisões), mas isso é uma forma de imunizá-lo de refutações. Na verdade, o pós-modernismo é um tipo cosmovisão, mas com a fraqueza de refutar a si mesma.


Dr. Glauco Barreira Magalhães Filho
Livre Docente em Filosofia
Professor de “Estudos do Imaginário Jurídico” e “Hermenêutica” (UFC)

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