CRISTIANISMO E UNIVERSIDADE

Seja bem-vindo a "CRISTIANISMO E UNIVERSIDADE". Aqui procuraremos apresentar artigos acerca de assuntos acadêmicos relacionados aos mais diversos saberes, mantendo sempre a premissa de que a teologia é a rainha das ciências, pois trata dos fundamentos (pressupostos) de todo pensamento, bem como de seu encerramento ou coroamento final. Inspiramo-nos em John Wesley, leitor voraz de poesia e filosofia clássica, conhecedor e professor de várias línguas, escritor de livros de medicina, teólogo, filantropo, professor de Oxford e pregador fervoroso do avivamento espiritual que incendiou a Inglaterra no século XVIII.

A situação atual é avaliada dentro de seus vários aspectos modais (econômico, jurídico, político, linguístico, etc.), mas com a certeza de que esses momentos da realidade precisam encontrar um fator último e absoluto que lhes dê coerência. Esse fator último define a cosmovisão adotada. Caso não reconheçamos Deus nela, incorreremos no erro de absolutizar algum aspecto modal, que é relativo por definição.

A nossa cosmovisão não é baseada na dicotomia "forma e matéria" (pensamento greco-clássico), nem na dicotomia "natureza-graça" (catolicismo), nem na "natureza-liberdade" (humanismo), mas, sim, na tricotomia "criação-queda-redenção" (pensamento evangélico).

ESTE BLOG INICIOU EM 09 DE JANEIRO DE 2012





terça-feira, 6 de março de 2012

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES (DIREITO CIVIL II) E SUAS IMPLICAÇÕES ÉTICAS, SOCIAIS E ECONÔMICAS





Uma das disciplinas mais técnicas da área jurídica é o Direito das Obrigações (Direito Civil II). Como o envolvimento ou implicação emocional do aluno com a disciplina é algo indispensável para o sucesso de sua aprendizagem, cabe ao professor tecer a cadeia que liga essa área do Direito Civil com o espectro maior do conhecimento humano.
            É no campo das Obrigações que o aluno melhor compreenderá a noção de “relação jurídica”, um conceito nuclear para a ciência jurídica. Em outras áreas do Direito Civil, a relação jurídica tem algum de seus elementos escondidos. No Direito das Coisas, por exemplo, o sujeito passivo (detentor do dever jurídico) parece não existir, criando a impressão de a relação jurídica ser do proprietário com a própria coisa. Na realidade, o sujeito passivo no caso da propriedade é toda a coletividade, que deve respeitar as faculdades de uso, gozo e disposição do proprietário. No Direito Público, as relações parecem ser desiguais, figurando o Estado em situação privilegiada. Isso, porém, se revela falso quando nos lembramos que o Estado tanto representa o povo como é uma pessoa jurídica autônoma, sendo as suas prerrogativas vinculadas a primeira condição e não a segunda. No Direito das Obrigações, a relação jurídica não precisa de desvendamentos, pois todos os seus elementos, bem como a sua condição de igualdade se revela ostensivamente, abreviando o percurso intelectual que leva o estudante para a essência do Direito.
            A forma como o Direito das Obrigações está regulado identifica o sistema econômico de um país. Em um sistema liberal, a liberdade de contratação é ampla, enquanto um sistema socialista exerce maior controle sobre as relações privadas e a circulação de riquezas. Percebe-se aqui uma proximidade com a Economia.
            Na vigência do Código Civil anterior, a temática das “obrigações” vinha depois do Direito de Família. Tal ordem decorria do fato de a sociedade da época ter a família como célula mãe da sociedade. O bom estado familiar revelava a saúde da sociedade. O atual Código Civil, porém, faz o Direito Obrigacional anteceder o Direito de Família. Isso significa que uma crise ética levou a sociedade a procurar outro paradigma de bem estar. Agora, a economia estável e não mais a moral a familiar passou a ser o critério de “equilíbrio”, o que evidencia uma corrosão dos valores mais nobres da sociedade. Há, portanto, muitas questões sociológicas ligadas à prevalência do Direito das Obrigações no campo civilista.
            O Direito Obrigacional é aquele que menos sofre mudanças de princípios. Isso acontece porque todos querem uma rigorosa filosofia da justiça quando se trata de proteger o “bolso” e o patrimônio.
            O Direito Positivo deve se basear no Direito Natural, que é justo por definição. É no Direito das Obrigações onde o Direito Positivo mantém com maior integridade a sua relação com o Direito Natural. Nas áreas jurídicas em que a proteção recíproca do patrimônio (“o maldito deus deste século”) não domina, as conveniências egoísticas da última moda ideológica tem decidido mais fortemente os caminhos do Direito que a eticidade. Há preocupação com a moral no quantitativo, mas não há moral do qualitativo.
            Toda a análise acima mostra que podemos estudar o Direito das Obrigações de uma forma crítica e relevante, ressaltando a sua ligação com a economia, a sociologia, a filosofia e a ética. A mentalidade “concurseira” é um prejuízo para a educação jurídica, pois o dever da universidade é formar cientistas e cidadãos. O Direito não é um meio para todos os fins, mas um fim que avalia os meios...

Glauco Barreira Magalhães Filho (Professor da UFC e Coordenador do CEDIC)
Mestre em Direito Público, Doutor em Sociologia, Livre Docente em Filosofia do Direito

3 comentários:

  1. Olá professor ! Interessante que o direito das obrigações está incutido no homem. A cada direito há responsabilidades(obrigações) a serem cumpridas para que um contrato (formal ou informal) seja válido. Da mesma forma, em nosso direito a vida responderemos a Deus.

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  2. Professor, de fato suas observações demonstram que, de uma disciplina como o direito obrigacional, pode-se extrair muito mais material para a reflexão do que se imagina! Em sala de aula, comumente, apenas nos debruçamos sobre a lei exaustivamente, como se não houvesse nada além daquilo, ou por trás daquilo.
    Sua observação sobre a liberdade de contratação ser ampla em sistemas liberais me lembrou um artigo que li recentemente defendo a incompatibilidade dos preceitos constitucionais no âmbito do dir. civil, em outras palavras, a impossibilidade da constitucionalização das relações privadas, ou mesmo da eficácia horizontal dos dir. fundamentais.
    Ao longo do artigo, que defendia uma ótica positivista kelseniana, vi que o autor não fazia questão de esconder que em sua visão o direito privado era desprovido de preocupação com o ético (preocupar-se-ia assim apenas com a validade, pois a lei já derivaria de uma escolha democrática).
    O autor, em certo momento, dava como exemplo o nepotismo em uma empresa e considerava como fator de correção o sucesso do empreendimento. Ou seja, diz que, nas relações privadas, entrópicas, permeadas por escolhas irracionais, de altíssima subjetividade, não deve o Estado delimitar critérios sobre o que é justo ou bom, mas o próprio sucesso ou fracasso dos empreendimentos é que validariam ou não o modo de agir escolhido (não caberia à lei dizer se deveria ou não contratar seus familiares em detrimento de outros profissionais para gerir a empresa, mas os próprios resultados que dariam essa resposta – sucesso ou fracasso da empresa).
    Concordo que o ativismo judicial, colocando mais uma variável nas relações econômicas entre sujeitos privados (e pior, posterior ao nascimento da relação), é prejudicial para a estabilidade do mercado e para a previsão e segurança dos negócios. No entanto, me preocupa esse apego excessivo à "plena liberdade" nas relações privadas que por um momento parece ser um modo de defesa quanto à sua esfera de direitos, mas muitas vezes parece apenas um meio de proteger sua zona de conforto, seu egoísmo e individualismo, que frequentemente é causa perpetuadora de injustiças.
    Se nem os direitos fundamentais, garantidos em nossa Constituição, parecem encontrar guarida no pensamento que permeia as relações entre particulares, o que dizer da ética, da moral e do direito natural? Assim, não entendi porque o senhor fala que o direito das obrigações é um dos que mantém melhor sua relação com o direito natural?
    Mas, se sua crítica se dirigir a questão de que, hoje, em defesa de princípios e direitos fundamentais vemos a violação desses direitos, pois, na verdade, vemos se utilizarem da abertura do sistema para impor interesses egoístas, instrumentalizando o direito para a consecução de privilégios individuais ou ideológicos, eu entendo.. Talvez o direito das obrigações, por ser mais técnico como disse, está me parecendo (comecei a estudá-lo agora) mais capaz de estabelecer um equilíbrio..
    Agora, professor, sempre a impressão que me fica quando me deparo com questões como essas é que é triste termos que depender de uma imposição do estado para praticarmos a generosidade, a solidariedade, a proteção dos mais fracos.. Concordo que transpor os princípios do direito publico pro privado não eh tão simples assim... O ideal seria mesmo o indivíduo culturalmente ter um pensamento voltado ao coletivo, trilhando um caminho ético independente de imposição do Estado, pois os mecanismos criados para corrigir esses desvios do particular, terminam por oferecer poder demasiado que comumente é desvirtuado e utilizado para fins diferentes dos que foram pensados em sua criação! Às vezes essa necessidade de positivar direitos me parece um ato de desespero de um povo que não consegue mais garanti-los naturalmente, que precisa ser forçado a isso.. não sei..
    Desculpe-me se falei alguma bobagem, fui pensando e escrevendo...
    Parabéns pela iniciativa do blog! É uma oportunidade de estimular a reflexão!
    Grande abraço professor

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  3. Prezado Rafael,
    Há preocupações éticas no Direito Público que não fazem sentido no Direito Privado. Uma empresa de iniciativa particular pode ter familiares em posições de destaque, pois ela representa um investimento financeiro pessoal. Já o Estado tem receita proveniente da sociedade, o que implica no fato de os seus gestores (representantes do povo) não poderem privilegiar parentes. No caso do Direito das obrigações, vale o esquema de Rawls: o legislador, raciocinando por abstração, pensa: se dois contratantes, não sabendo que posição econômica e social terão na comunidade, forem contratar, como cada um poderá reforçar a sua posição? Nesse caso, a preocupação de proteger o possível patrimônio leva a um reforço da justiça comutativa, bem como previne os abusos que favorecem uma parte em detrimento da outra. É no Direito Contratual que teremos a proibição de cláusulas leoninas e de situações potestativas abusivas. Na obrigação de dar coisa incerta, o devedor não pode dar a pior (embora não seja obrigada a dar a melhor). Em Cláusulas penais excessivas, o juiz pode reduzir a pena convencional. Aos danos corresponderá a devida indenização. É considerada a Teoria da imprevisão e do risco. O abuso do Direito é ilícito. Tem-se o princípio da relatividade dos contratos. A intenção dos contratantes é mais importante que a letra dos contratos.
    A preocupação com a igualdade é notória no Direito obrigacional. É claro que a justiça no Direito Obrigacional é formal. As motivações pessoais e os interesses não publicizados ficam sob a égide da moral.
    Se quiser examinar melhor o Direito Natural nas Obrigações, recomendo-lhe a leitura do livro "Regra Moral nas Obrigações Civis" de George Ripert.
    Grande Abraço.

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