sábado, 25 de maio de 2013

A UNIÃO HOMOSSEXUAL E OS DIREITOS HUMANOS

           

É início das aulas. O professor Kin segue para a Faculdade com a expectativa de encontrar os seus alunos e voltar aos interessantes diálogos acadêmicos. Iniciada a preleção do dia, um aluno faz uma pergunta repentina, aparentando já vir pensando no assunto:
- Professor, o que o senhor achou da decisão do STF (maio de 2011) que equiparou a união homoafetiva à união estável entre homem e mulher?
- Bem, – respondeu o professor - eu acredito que o STF excedeu a sua competência, assumindo a posição de constituinte originário.
-         Não estaria o senhor querendo dizer “de legislador” em vez de “de constituinte originário”?
-        Note, disse Kin, que o artigo 226 da Constituição fala que a família é a “base da sociedade”, e, somente após essa afirmação, fala sobre o casamento e a união estável. Na medida em que a Constituição é entendida como o Estatuto Fundamental da SOCIEDADE, a tentativa do STF de redefinir o que o constituinte classificou como BASE da vida SOCIAL esbarrou numa limitação implícita ao poder de reforma da Carta Magna. Uma limitação implícita ao poder de reforma não resulta de uma vedação específica à iniciativa de emenda, mas, sim, do fato de que a mudança de um artigo determinado não pode implicar na alteração de princípios elementares da Constituição. Há limitação implícita quando a proposta de emenda objetiva alterar o núcleo constitucional de forma camuflada.
-        Mas – replica o aluno- o senhor já não nos falou em aulas anteriores sobre a importância da mutação constitucional através da interpretação?
Kin mostra satisfação ao perceber que o aluno deu atenção as suas aulas, mas explica:
- Konrad Hesse considera “o texto como limite da mutação constitucional”, sendo ele uma garantia da Constituição. Uma alteração da Constituição que ultrapasse as possibilidades textuais não é uma mutação, mas, sim, uma quebra constitucional.[1] Uma vez que a união estável mencionada é entre HOMEM e MULHER (art. 226, parágrafo 3o da C.F.), não poderia ser a união homossexual equiparada a ela em hipótese alguma. É interessante observar que uma união incestuosa entre um irmão e uma irmã atenderia a definição formal da Constituição de união estável, mas não é admitida por impedimento legal. A união homossexual, todavia, desatende tanto a definição constitucional de união estável como os requisitos da lei.
O aluno insiste:
- Não poderíamos invocar a analogia para falar em união estável entre homossexuais?
- Não, responde Kin. Em primeiro lugar, porque a regra é o casamento e a união estável é exceção. Entre as regras da hermenêutica jurídica está aquela que diz que “as exceções são de interpretação estrita”, o que significa ser uma impropriedade utilizar analogia em Direito excepcional. Em segundo lugar, o tema da família é de grande interesse público (art. 226 da CF: “A família, BASE DA SOCIEDADE, TEM ESPECIAL PROTEÇÃO DO ESTADO”). Normas cuja matéria envolve grande interesse público são cogentes e taxativas (numerus clausus). O raciocínio cabível a essas normas não é o raciocínio a simile (que procura casos análogos por semelhança), mas, sim, o raciocínio a contrário sensu (que trata com exclusão ou de modo inverso as situações não previstas).
O aluno resolve colocar a última “cartada”:
-         Mas os homossexuais não teriam direito a um tratamento isonômico?
-        Eu sou a favor dos direitos humanos para todos. Eu sou contra a discriminação. Os homossexuais têm direitos humanos, embora não defenda “direitos especificamente homossexuais”. O que quero dizer é que os homossexuais têm direitos porque são seres humanos e não porque são homossexuais. Do contrário, teríamos que falar nos direitos dos heterossexuais, dos pedófilos... Todos devem ser tratados como iguais, mas o caso aqui não se refere diretamente às pessoas, mas, antes, às instituições, como o casamento e a família. As instituições são teleológicas, ou seja, são definidas por uma finalidade. A regulação do casamento e da união estável não tem em vista a simples proteção dos parceiros, mas, antes, a proteção da família constituída. Como, porém, podemos falar em família homossexual se a união homossexual é biologicamente infértil? Como a união homossexual poderia ser a base da sociedade se ela é, por si mesma, incapaz de perpetuar a espécie? Na verdade, ao defender o casamento entre homem e mulher defendo a união da qual poderão vir pessoas que farão a opção de serem heterossexuais ou homossexuais. Ao defender o casamento tradicional defendo também a continuidade da existência de homossexuais, pois, se todos fossem homossexuais, a espécie humana já teria se extinguido.
Uma aluna entra na discussão e replica:
-         Não é o casamento também para assegurar um patrimônio comum?
-        Lembro-me de ter aprendido na Faculdade que o Direito de Família diferencia-se dos Direitos Obrigacional e Real por não ser de fundo patrimonial. O casamento pode acontecer com total separação de bens e, em alguns casos, é obrigado a sê-lo. A família é uma unidade moral. Assim, os homossexuais poderiam resolver o problema de seu patrimônio comum no âmbito do Direito Obrigacional e Real por meio de formas contratuais.
                  A aluna ainda tem dúvidas:
-         O senhor quer dizer que o casamento é só para a procriação?
- Vamos analisar com calma o que quero dizer. Os cristãos acreditam que o casamento é uma instituição divina e cultural. Os sociólogos e antropólogos identificam apenas a natureza cultural do casamento. Para os cientistas sociais, havia um estado primitivo de promiscuidade que impedia a identificação de um pai quando as mulheres ficavam grávidas. O casamento foi criado para a identificação paterna, permitindo saber quem estava responsável pelos cuidados e formação de uma criança, bem como para identificar de quem a criança era herdeira. Isso permitia reconhecer os grupos (famílias, clãs, tribos) e os sucessores dos governantes. Percebe-se que não haveria o conceito de casamento se, como os anjos, fôssemos todos inférteis. O filósofo Edmund Husserl identificou dois elementos nos objetos culturais: o substrato e o sentido. Considerando o casamento como uma construção cultural, o seu sentido pode sofrer variações, mas nos limites de seu substrato. O substrato do casamento é um estado biológico que somente pode se dar numa união heterossexual: a fertilidade. É verdade que um casal pode fazer a opção de não ter filhos, assim como alguém pode casar com um estrangeiro apenas para ganhar a extensão de sua nacionalidade. A razão, porém, para a instituição do casamento, é a potencialidade da procriação e a conseqüente formação da família. A essência de algo é aquilo que, sendo dado, faz a coisa existir e, sendo retirado, faz ela desaparecer. Se a humanidade se tornasse infértil de modo generalizado, a idéia cultural de casamento se perderia, podendo os relacionamentos de vida em comum ficar sob as cláusulas de um contrato privado entre sócios. A razão de especial proteção do Estado para o casamento é a procriação e a família. Se o casamento fosse desnaturado pela remoção da idéia de família e de prole, os filhos perderiam sua importância na idéia de família. Nesse caso, o individualismo dominaria aquela esfera social que faz a mediação entre o indivíduo e o Estado. A redução do casamento a uma realidade patrimonial o faria uma figura mais econômica que moral e social. Até os povos antigos perceberam isso. Foi por esse motivo que, embora havendo muita homossexualidade entre os gregos, eles nunca cogitaram de um casamento homossexual.
A aluna faz também sua última aposta:
- O que o senhor acha de o STF ter também aceito a adoção por casais homossexuais?
- Um casal heterossexual (que biologicamente poderia ter filhos) reúne as condições naturais para se colocar de modo análogo a uma família com um adotando. Um solteiro (a) heterossexual poderia adotar na condição análoga a de um viúvo (a) ou de uma mãe solteira, embora a existência de um casal (heterossexual) sempre deveria ter preferência. Os psicólogos sabem que a figura de um pai (masculino) e de uma mãe (feminino) faz parte do que uma criança precisa para formar uma personalidade sadia. Um cristão diria que o Criador sábio fez as coisas assim, enquanto um evolucionista ateu diria que a natureza impessoal é que é “sábia”. O evolucionista coerente teria que reconhecer que a união homossexual não promove a evolução da espécie, pois a sua generalização implicaria na própria extinção dela.
Kin continuou:
-        Acerca ainda da adoção de crianças por parceiros homossexuais, eu observaria também que nós precisamos lembrar dos direitos da criança e do adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente diz:A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.” O artigo 7o fala em “desenvolvimento sadio e harmonioso” da criança. Ora, uma criança adotada sempre enfrenta dificuldades para entender que não é filha biológica de seus pais adotivos. Agora, imagine para ela entender que não tem pais heterossexuais. Tente por um pouco de tempo pensar no vexame dessas crianças. Pense no prejuízo psicológico que causa a violação de uma lei da natureza, pois o normal seria uma criança ter vindo de um pai e de uma mãe, sendo adoção feita por um casal heterossexual uma tentativa (com dificuldades) de se aproximar do modelo natural. Não nos deixemos aqui levar pela mídia. Há muitas reportagens feitas pela televisão que procuram apresentar quadros de “felicidade” em situações em que homossexuais criaram um filho. A coisa é tão falsa que tais representações fazem aparentar que há mais harmonia nessas psdeudofamílias do que em famílias convencionais e que o adotando sequer enfrentou os problemas habituais resultante de não conhecer os seus pais biológicos.
O professor Kin pensa um pouco para saber se vai dizer tudo que lhe veio à mente. Resolve, então, acrescentar o seguinte às suas palavras:
- Preocupo-me também com a pedofilia. A homossexualidade não implica necessariamente em pedofilia, mas há uma constatação histórica inequívoca de inúmeros casos em que as duas coisas estão presentes. É difícil ver um homossexual em idade avançada interessando-se por outro da mesma idade. A pedofilia homossexual aparece com mais freqüência nos noticiários que a heterossexual. Na Grécia antiga, a homossexualidade, associada à força poderosa do Eros, era uma prática comum. Com ela, porém, generalizou-se a pederastia (pedofilia com abuso sexual). O historiador Michael Grant escreveu que Eros era também a base da pederastia. Ele constatou que as relações sexuais entre homens e meninos eram “muito mais preferidas às relações sexuais entre homens da mesma idade”[2]. O historiador K. J. Dover informa que o homem adulto sempre desempenhava o papel ativo e o menino, o papel passivo nessas relações sexuais. Dover mostra que a prática da barganha, que é tão freqüente nos casos atuais de pedofilia, estava também presente na pederastia grega, pois tudo era considerado uma troca: o menino concordava em ter relações sexuais com um homem adulto a fim de receber conhecimento e tutela[3]. Muitos adultos, como Pausanius no Symposium de Platão, protestavam porque os jovens, uma vez “esclarecidos”, saíam a procura de parceiros de sua idade, sendo “injustos” com os homens mais velhos. Com o nosso lamento, as práticas da “gloriosa” Grécia pagã subsistem dentro dos nossos presídios de forma humilhante. Para completar, a pedofilia tem sido ideologicamente defendida pela Associação Norte-Americana do Amor entre Homens e Meninos (NAMBLA, em inglês). Essa associação luta pela descriminalização da pedofilia. É bom, portanto, pensar no futuro e prever o que pode vir da equiparação da união homossexual ao casamento.
Um outro aluno perspicaz faz a seguinte observação:
- Professor, porque você fala em “homossexualidade” e não em “homoafetividade”?
- O termo “homoafetividade” é um eufemismo estratégico do movimento gay. Afinal de contas, não é agradável ouvir protestos contra algum tipo de “afetividade”. Da mesma maneira, o termo “homofobia” é um estigma sobre os que se opõe ao homossexualismo, pois parece sugerir que eles têm pavor aos homossexuais. Os que fazem juízo moral sobre a homossexualidade chamam os seus praticantes de sodomitas. Eu preferi usar uma palavra neutra numa discussão acadêmica. Talvez um dia conversemos sobre as estratégias discursivas com que muitos grupos procuram manipular a sociedade.
O aluno novamente pergunta:
-         Professor, o tempo de aula está acabando. Como você concluiria?
Kin, já sem fôlego, responde:
- A decisão do STF serve para desviar a atenção de todos do fato de ele não ser militante ou ser lento em assuntos de relevância nacional mencionados explicitamente na Constituição (como a Reforma Agrária, a participação dos trabalhadores no lucro das empresas, a questão da “ficha limpa”, etc). Filósofos de renome (ateus, céticos e relativistas) admitem que a nova esquerda (feminismo radical, movimento gay) afasta a mente da sociedade dos reais problemas sociais. Richard Rorty, por exemplo, diz que a “esquerda cultural” (nova esquerda) “é incapaz de se engajar na política nacional”. Nas palavras de Zygmunt Bauman, Rorty “conclama as pessoas a recuperarem a sensatez e despertarem para as causas profundas da miséria humana”. Bauman diz que os novos intelectuais são obstinadamente egocêntricos e auto-referentes. A sua conclusão é clara: “A guerra por justiça social foi, portanto, reduzida a um excesso de batalhas por reconhecimento”[4].
Um aluno com pressa e de pé diz:
- Professor, o horário já terminou!

Dr. Glauco Barreira Magalhães Filho
Mestre e Livre Docente em Direito
Doutor em Sociologia





[1] HESSE, Konrad. Temas Fundamentais do Direito Constitucional. Trad. Inocêncio Mártires Coelho. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 170
[2] GRANT, Michael. The Founders of the Western World. Nova York: Charles Scribner’s Sons, 1991, p. 16
[3] DOVER, K. J. A homossexualidade na Grécia Antiga. São Paulo: Nova Alexandria, 1994
[4] BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Trad.  Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p. 43-44

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