Nos dias 13 e 14 de 2013, através de um convite do governo do Estado do Ceará, fiz duas exposições de 4 horas na Escola Porto Iracema das Artes sobre o tema "Espiritualidade e Cidadania" para um Curso de Capacitação de Comunidades Terapêuticas, as quais trabalham na recuperação de dependentes químicos. Segue abaixo a síntese das exposições que consta na apostila do curso:
O QUE É CIDADANIA?
Em um sentido
mais estrito, a cidadania é a prerrogativa de votar e ser votado no processo
eleitoral. Em um sentido amplo, ela é a projeção nos campos jurídico, político,
econômico e social da dignidade da pessoa humana. Nessa última acepção, envolve
tanto o feixe de direitos fundamentais como a responsabilidade solidária pela
promoção do bem comum.
A ideia de
dignidade da pessoa humana desenvolveu-se historicamente no ocidente a partir
da concepção judaico-cristã segundo a qual o homem foi criado à imagem de Deus.
A condição humana de pessoa (ser singular, não intercambiável) exige que o ser
humano seja tratado sempre como um fim e nunca como um meio (Kant). Enquanto as
pessoas devem ser amadas, as coisas devem ser usadas (Martin Buber). Não
devemos inverter essa ordem, amando coisas e usando pessoas.
O homem, como
ser moral, está sob o Direito Posto, que, por sua vez, deve estar de acordo com
o Direito Natural. O Direito Natural é aquele que se funda nas exigências da
natureza humana. Ele estabelece para o homem deveres para com os outros
(aspecto social da natureza humana), deveres de moderação e organização
interior (aspecto racional da natureza humana) e deveres para com o Criador
(aspecto espiritual da natureza humana). Como o homem deve ser um ser integrado
e os seus deveres naturais fluem cruzando a linha vertical com a horizontal,
não podemos separar a cidadania da espiritualidade.
Observamos
ainda que ser cidadão efetivo não acontece apenas pela menção em textos legais
de suas prerrogativas, sendo também necessário que elas sejam assumidas com
consciência da dignidade que pertence ao homem e de sua responsabilidade como
agente histórico.
RELAÇÃO ENTRE CIDADANIA E ESPIRITUALIDADE
O homem não
apenas participa do gênero animal através da corporeidade, mas se eleva pela
razão e pela espiritualidade. Como ser racional, o homem é ser pensante e
reflexivo. Como ser espiritual, o homem se abre para a transcendência,
aspirando à imortalidade e à felicidade que não se alcança pelos meros recursos
terrenos. A espiritualidade é o cume da dignidade humana.
Pelo corpo,
temos consciência do mundo material, enquanto, pela razão, temos consciência de
nós mesmos. É, porém, pelo espírito, que temos consciência de Deus e da
eternidade.
O cultivo da
espiritualidade faz-nos ver o modelo do mundo melhor, o que serve de referência
para o agir transformador neste mundo presente. Os que se limitam às
perspectivas desse mundo imperfeito, carregado de injustiças, são fortemente
tentados a desanimar da esperança. A crença em algo melhor, para além desse
mundo, traz o ânimo para a ação transformadora, enquanto a esperança de
correção das injustiças estimula a luta pela justiça. Assim, a abertura para
uma justiça perfeita e invencível na transcendência reforça a fibra moral e
apóia as melhores recomendações da consciência.
A
espiritualidade traz sentido para a vida, libertando-a do caos e da anomia que
tão freqüentemente conduzem ao suicídio e à depressão.
Aqueles que
estão fragilizados por baixa estima, distúrbios familiares e angústia
existencial são facilmente conduzidos ao uso de drogas, procurando fugir de
seus dilemas ou compensá-los com prazeres de “elevação”. Notadamente, pode-se
perceber que o que é oferecido através das drogas é um falso substituto para
espiritualidade. Negligenciar a espiritualidade é, portanto, criar pessoas
vulneráveis aos vícios degradantes.
Como a
cidadania é o reconhecimento da dignidade humana em suas várias dimensões, ela
não pode ser desassociada daquela que é a mais elevada do ser humano. A
cidadania, portanto, reivindica atenção para com a espiritualidade e a espiritualidade
reforça a cidadania.
Dr. Glauco
Barreira Magalhães Filho
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