A equipe do Jornal da UFC (Universidade Federal do Ceará) entrou em contato comigo (Prof. Glauco Barreira Magalhães Filho) a fim de que eu respondesse a algumas perguntas para posterior edição de uma matéria sobre direitos humanos (publicada em Julho/2016). Como muito pouco do que respondi apareceu no artigo, aproveito a oportunidade para compartilhar o conteúdo completo da entrevista nesse espaço:
PERGUNTAS:
1) A que a senhor atribui esta ampliação (ou aparente
ampliação) dos casos de transgressão aos direitos humanos dentro da
Universidade?
RESPOSTA: Acredito que sempre
houve agressões nas Universidades. Os trotes violentos, por exemplo, eram mais
comuns no passado do que hoje. Atualmente, porém, enfrentamos um problema
específico, o questionamento da corrente hegemônica (herdeira do marxismo e,
depois, da filosofia pós-moderna) nos meios acadêmicos brasileiros. Através da
internet e pelo conhecimento de outras visões alternativas, muitas pessoas
começaram a discordar dessa corrente, expressando corajosamente as suas
opiniões. Os que defendiam a visão prevalecente, por sua vez, não estavam
preparados para lidar com uma contestação do que parecia ser o “senso comum”
acadêmico. Para aumentar a tensão, a hostilidade de um lado produziu
hostilidade do outro.
2) Como vê essa nova realidade, em que acontecimentos ganham
rapidamente repercussão nas redes sociais. É positiva, no sentido de levantar
estas discussões? É negativa, por estas serem também um outro dispositivo no
qual se propagam preconceitos e injúrias?
RESPOSTA: As redes sociais são um
veículo de comunicação importante e igualitário. Faz com que os acadêmicos
percam seus privilégios diante da nivelação com o homem comum. É inclusiva. Não
há como impedir a precipitação de opiniões.
É preciso apenas uma pessoa falar para desencadear uma discussão com
aqueles que ainda estavam amadurecendo idéias. O que podemos incentivar é a
humildade, a prontidão para mudar de opinião quando convencido. É importante
também evitar os xingamentos, exibições de superioridade e agressões
aviltantes. Elas criam inimizades, preconceitos e bloqueiam a comunicação e o
mútuo convencimento.
3) A temática dos direitos humanos é suficientemente discutida
dentro do meio acadêmico?
RESPOSTA: Acredito que sim, mas
de modo superficial. Os direitos humanos são “Bíblia” da sociedade
secularizada. Mas, assim como a Bíblia é o livro mais vendido e menos lido, os
direitos humanos são muito mencionados, mas pouco compreendidos. A grande
problemática é que muitos querem desvinculá-los de sua raiz de origem.
Pretendem desprezar a tradição que os originou (greco-romana e judaico-cristã)
para pensá-los como fórmulas vazias aptas a recepcionar qualquer nova ideologia
ou modismo intelectual. Os direitos comportam gerações ou dimensões, mas dentro
da lógica em que foram originalmente pensados. Uma dimensão aprofunda, mas não
extingue a outra. Não adianta falar em direitos humanos sem o pano de fundo
histórico e filosófico (noção de Direito Natural) do qual brotaram.
4) Como estimular a cultura de paz e tolerância dentro da
Universidade?
RESPOSTA: Garantindo a ampla
liberdade de expressão e difusão das idéias, mas estimulando o respeito mútuo e
a linguagem cortês. Não precisamos ser relativistas quanto à verdade para
respeitar o outro. Aliás, a tolerância se torna uma virtude real quando
acreditamos que o outro está errado, procuramos convencê-lo disso, mas, ainda
assim, somos respeitosos. A tolerância tem que ser a ética do respeito ao
próximo, não a fraqueza dos que não acreditam em mais nada. Dentro desse
escopo, temos que diferenciar opiniões sobre fatos e atos de agressões
pessoais.
3) Em um momento em que casos de
racismo, homofobia e machismo no meio universitário ganham repercussão dentro
da Universidade, como vê a criação da Comissão de Direitos Humanos?
RESPOSTA: Em uma sociedade com
tanta droga, desagregação familiar e desorientação psicológica, todo tipo de
violência ocorre contra todo o tipo de pessoa. Devemos garantir que todos sejam
humanamente tratados, sem criar guerras entre facções ideológicas. Desse modo,
grupos que vivem em tensão entre si não podem culpar estrategicamente o outro
quando houver alguma agressão a um dos seus membros. Não podemos usar a dor das
pessoas para brigas ideológicas, fazendo delas um “caso paradigmático”. O amor
faz do homem a sua “causa” em vez de usar o homem para alguma “causa”. Quando
uma pessoa pertence a uma categoria que se representa por movimentos sociais, a
agressão que sofre torna-se um problema público. Se, porém, ela não se insere
em categoria que tenha mobilização, o seu sofrimento ainda é pior, pois é
solitário. Inúmeras pessoas, por exemplo, são diariamente excluídas e maltratadas
por sua moral familiar, fé ou condição social. A Comissão de Direitos Humanos é
importante para colóquios frutíferos, devendo, porém, manter-se distante da
política partidária e de tentativas de seqüestrar os direitos humanos para uma
visão segmentaria. O grande desafio é valorizar o ser humano enquanto humano.
Prof. Dr. Glauco Barreira
Magalhães Filho (Mestre em Direito, Doutor em Sociologia e Livre Docente em
Filosofia do Direito)
Professor da Faculdade de Direito
da UFC das disciplinas Hermenêutica Jurídica e Aplicação do Direito (Graduação)
e Estudos do Imaginário Jurídico (Mestrado e Doutorado em Direito).
Muito bom!
ResponderExcluirÓtima entrevista!
ResponderExcluirRespostas muito lúcidas, professor Glauco. A universidade precisa voltar a ser um ambiente de ideias e de respeito, em que a preocupação não deve ser a vaidade ou o reducionismo ideológico, mas a busca da verdade. Grande abraço,
ResponderExcluirComo sempre qualquer comentário do nobre professor é, para todos os efeitos, uma aula brilhante!
ResponderExcluirComo sempre qualquer comentário do nobre professor é, para todos os efeitos, uma aula brilhante!
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