A capacidade e a vocação do homem para filosofar, isto é, para colocar repetidamente as perguntas fundamentais, revela que o seu pensamento não pode se limitar a uma projeção cultural do que é historicamente condicionado. A simples colocação dos problemas fundamentais em todas as épocas liberta o espírito humano de todas as limitações históricas.
O historicismo é a perspectiva epistêmica que entende as filosofias (no plural) como reflexos do espírito humano em diferentes épocas e variadas culturas. Essa postura, todavia, possui um vício insanável, consistente em não aplicar os próprios pressupostos a si mesma, excluindo-se de seu próprio veredicto. O historicista, bem como todo relativista, classifica a todos como ingênuos, bem como julga estar falando da realidade a partir de uma perspectiva que o livra de todos os condicionamentos. Tal comportamento revela orgulho (um obstáculo moral ao verdadeiro conhecimento) e contradição. A contradição, porém, é do historicismo e do relativismo, não da realidade.
As “diferentes” concepções de justiça presentes em várias nações e épocas não foram conhecidas apenas há pouco tempo. Na verdade, o conhecimento dessas aparentes divergências nunca desqualificou a tese de um Direito Natural ínsito a humanidade, mas sempre foi considerado como a condição para a procura e descoberta dessa idéia. A variedade de opiniões foi e é um incentivo para procurar o Direito Natural.
O fracasso do “Direito Natural” da codificação do Direito Civil francês decorreu do fato de ele estar em oposição não apenas ao arbitrário, mas também ao supramundano. A ausência de Deus levou a divinização da razão, o que teve por conseqüência uma crença ingênua em suas pretendidas possibilidades ilimitadas. O fracasso do ideário jusnaturalista francês é o fracasso da razão autônoma e da incredulidade, não do Direito Natural.
Se os nossos valores se limitassem a um pensamento condenado a morrer na próxima geração, e nós soubéssemos disso, não encontraríamos energias positivas para lutar pela sua realização. Os que aparentassem ter tais energias seriam apenas demagogos ou cínicos.
Karl Jaspers, um filósofo existencialista, disse em sua “Iniciação Filosófica”:
“... Mas, apesar de condicionados pela época, não é a partir desse condicionamento que filosofamos; é, como sempre, a partir do englobante. Não devemos atribuir a nossa época a responsabilidade do que somos nem submetermo-nos a ela; devemos tentar esclarecê-la, aprofundando-a até onde nos seja possível”.
Não devemos também fazer da história uma divindade. Não é necessário aceitar o ímpio adágio segundo o qual a história mundial é o juízo final. Não é a suprema instância. O malogro não é um argumento contra a verdade que radica na transcendência. Assimilando a história, mas atravessando-a, fundeamos na eternidade”.
A causa da dominância do historicismo nas ciências humanas e do naturalismo nas ciências naturais é que os pretensos argumentos para prová-los já presumem a sua validade, o que gera um argumento informalmente válido conhecido como petição de princípio ou argumento circular. Para Aristóteles, a petição de princípio era uma falácia lógica (sofisma), enquanto, para Perelman, era uma falácia retórica.
Max Weber, apesar de seu cientificismo, reconheceu que a filosofia e a ciência se baseiam, em última análise, não em premissas evidentes ou constatáveis, mas na fé de que a verdade é acessível ao homem. Assim, a ciência e a filosofia não podem justificar o seu próprio fundamento de uma maneira inequívoca.
Weber acreditava que toda a devoção a causas ou a ideais possuía raízes na fé religiosa. Sem fé, morreriam os ideais. Desse modo, o futuro do mundo oscilaria entre o desespero do vazio espiritual total e o ressurgimento da religião.
Na estrutura da constituição humana, encontramos o prazer pela investigação do enigma do ser. No entanto, nós alimentamos mais ansiedade e inquietação do que paz. Isso acontece porque desejamos intensamente a solução da referida investigação, mas esbarramos nas limitações da razão humana. Em meio a essas angústias, aparecem fortes razões exteriores e interiores para acreditar em um criador. Isso nos faz pensar que Deus não alimentaria em nós uma sede que não pudesse saciar. Tal conjectura nos mostra a razoabilidade da revelação divina contida nas Escrituras Sagradas. A razão deve reconhecer os seus limites (sendo esse seu maior mérito) e apelar para a sua fonte última (Deus). É dentro desse escopo que devemos pensar a relação entre filosofia e teologia.
Dr. Glauco Barreira Magalhães Filho
Professor da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará (ESMEC)
Professor da Escola Superior do Ministério Público (ESMP)
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