Foto do Prof. Glauco Filho em frente a igreja onde Martinho Lutero fixou as 95 teses (Wittenberg)
Há uma idéia equivocada segundo a qual os protestantes negam a existência do Direito Natural por assumirem uma posição fideísta que supõe não se poder conhecer os valores morais e ético-jurídicos senão através do texto bíblico. A realidade, porém, é bem outra, pois a Reforma reconheceu na natureza e na Bíblia os dois livros de Deus. Isso significa que Deus se revela tanto pela criação como pela revelação especial. O que os evangélicos insistem em afirmar é que a salvação por meio de Cristo só pode ser conhecida pela revelação especial (Escritura Sagrada).
João Calvino falou da natureza como o “Teatro da Glória de Deus”, enquanto Abraham Kuyper viu nela instilada a “graça comum”.
Lutero e Calvino, por priorizarem a teologia em relação à filosofia, não desenvolveram uma doutrina mais elaborada do Direito Natural, mas mencionaram episodicamente a lei natural (pressupondo a compreensão que dela tivera a cristandade em seu período patrístico e medieval).
Max Weber, em seus escritos, deixou clara a existência de uma forte doutrina do Direito Natural entre os puritanos ingleses e seus sucessores norte-americanos.
O maior teórico político do calvinismo do século XVII foi Johannes Althusius.A sua influência em Endem (Frísia Holandesa), uma das primeiras cidades a aderir à Reforma, foi comparada a de Calvino em Genebra. Althusius desenvolveu a idéia de Estado de Direito e manifestou-se um convicto jusnaturalista. Seguem as suas palavras:
“A lei comum (lex communis), por sua própria natureza, é inspirada por Deus em todos os homens... Ela é comumente conhecida como lei moral (lei moralis) [..] Pelo conhecimento impresso por Deus dentro de nós, que é chamado de consciência, o homem conhece e entende a lei (jus) e os meios a empregar ou evitar para manter a obediência a essa lei. [...] A lei peculiar (lex própria) é aquela formulada e estabelecida pelo magistrado com base na lei comum (lex communis)... Portanto, essa lei peculiar (jus proprium) nada mais é do que a prática da lei natural (jus naturale), adaptada a uma política particular”.
Portanto, Althusius chama o Direito Natural de “Lei Comum” e o Direito Positivo de “Lei Peculiar”.
Pablo Lucas Verdú, falando sobre a “Escola Jusnaturalista Protestante”, disse:
“Também merece citar-se Johannes Althusius (1557-1638), porque ele se antecipou na defesa da idéia de Estado de Direito, como comprova seu propósito de eliminar a expressão ‘potestas legibus soluta’ da definição de ‘majestas’. Seu influxo foi notável em autores posteriores”.
Em período mais recente, Herman Dooyerweerd, conhecido jusfilósofo protestante da Holanda (considerado pelo jusnaturalista Giorgio Del Vecchio como o “filósofo mais profundo, inovador e penetrante desde Kant”), defendeu uma lei ínsita a criação de Deus na qual baseou a sua “Filosofia da Idéia Cosmonômica”.
Quando se pensa que o protestantismo é contrário ao Direito Natural geralmente se confunde o protestantismo com o barthianismo. Karl Barth foi um famoso teólogo protestante do século XX que negou a existência do Direito Natural. A perseguição sofrida no regime nazista, porém, abrandou um pouco a sua oposição ao Direito Natural. Daniel Cornu relata que Barth mostrou a correspondência analógica de muitas premissas do jusnaturalismo com verdades bíblicas como forma de sustentar que poderíamos defendê-las por inferências e comparações na Bíblia, sem apelar para a estrutura da criação. Na verdade, parece-nos que Barth acreditava no Direito Natural, mas não estava disposto a apresentá-lo em categorias filosóficas, pois priorizava a perspectiva e a linguagem teológica.
Prof. Glauco Barreira Magalhães Filho (Livre Docente em Filosofia do Direito)
Autor do verbete “Jurisprudência dos Valores” no Dicionário de Teoria e Filosofia do Direito da LTr
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