CRISTIANISMO E UNIVERSIDADE

Seja bem-vindo a "CRISTIANISMO E UNIVERSIDADE". Aqui procuraremos apresentar artigos acerca de assuntos acadêmicos relacionados aos mais diversos saberes, mantendo sempre a premissa de que a teologia é a rainha das ciências, pois trata dos fundamentos (pressupostos) de todo pensamento, bem como de seu encerramento ou coroamento final. Inspiramo-nos em John Wesley, leitor voraz de poesia e filosofia clássica, conhecedor e professor de várias línguas, escritor de livros de medicina, teólogo, filantropo, professor de Oxford e pregador fervoroso do avivamento espiritual que incendiou a Inglaterra no século XVIII.

A situação atual é avaliada dentro de seus vários aspectos modais (econômico, jurídico, político, linguístico, etc.), mas com a certeza de que esses momentos da realidade precisam encontrar um fator último e absoluto que lhes dê coerência. Esse fator último define a cosmovisão adotada. Caso não reconheçamos Deus nela, incorreremos no erro de absolutizar algum aspecto modal, que é relativo por definição.

A nossa cosmovisão não é baseada na dicotomia "forma e matéria" (pensamento greco-clássico), nem na dicotomia "natureza-graça" (catolicismo), nem na "natureza-liberdade" (humanismo), mas, sim, na tricotomia "criação-queda-redenção" (pensamento evangélico).

ESTE BLOG INICIOU EM 09 DE JANEIRO DE 2012





domingo, 14 de outubro de 2012

A ADVOCACIA COMO MISSÃO

            
             O processo civilizador permitiu que a humanidade superasse a vingança privada para confiar a solução dos litígios a um órgão imparcial e independente, pois, conforme os contratualistas, a autotutela gerava insegurança, incerteza e desproporção. Embora o pacto fundador da sociedade política não implicasse a renúncia de direitos, ele incluía a desistência da vingança privada. Obviamente, um resíduo dessa última sobrevivia em situações excepcionais, como no caso da legítima defesa. Em regra, porém, os cidadãos teriam dado o seu consentimento para a transferência ao Estado do monopólio da coação.
A filosofia da liberdade que marcou a modernidade apoiou-se no contrato social e na separação de poderes. Essa última era uma técnica de racionalização do poder para a proteção da liberdade. Por ela, as funções estatais ficavam distribuídas entre órgãos com competências distintas. Ao Poder Judiciário caberia a função típica de solucionar litígios, sendo a sua independência funcional e vinculação direta à lei as garantias de um juízo imparcial. O duplo grau de jurisdição, por outro lado, criaria a possibilidade de revisão de uma decisão inadequada do juízo de primeiro grau.
No âmbito do processo penal, evoluímos do sistema inquisitório, no qual o acusador era também juiz, para o sistema acusatório, no qual a relação processual triangular foi salvaguardada. O Princípio do Devido Processo Legal, que comportou amplos desenvolvimentos no modelo jurídico norte-americano, consagrou a ampla defesa, o contraditório e a paridade de armas no processo. A exigência de fundamentação para as decisões judiciais permitiu o controle de legitimidade das decisões, enquanto os princípios do juiz natural e da proibição dos tribunais de exceção impediram os casuísmos autoritários.
Nesse contexto de garantias, o papel do advogado é essencial. A Constituição Federal estabelece:
“Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”
A realidade processual mostra que um fato concreto sempre tem elementos de semelhança e de dessemelhança com a hipótese normativa. Percebemos isso claramente quando lemos nos autos a petição inicial e a contestação, principalmente quando elas são elaboradas por diligentes advogados.
O magistrado não faz um mero juízo lógico de subsunção do fato à norma, mas, antes, faz um juízo de valor no qual aprecia se as semelhanças do fato ocorrido com a hipótese normativa são mais relevantes que as dessemelhanças ou não. É esse juízo avaliativo que determinará se haverá o enquadramento do fato na norma ou não. O juiz, todavia, só poderá fazer um juízo adequado se enxergar bem os dois ângulos da situação fática, bem como se conhecer as razões que podem levar a prestigiar um aspecto ou outro do problema. Isso só pode acontecer pela atuação eficiente de bons e responsáveis advogados.
O advogado é parcial, mas a sua parcialidade possibilita a imparcialidade do juiz, além de conceder ao magistrado argumentos que poderão ser comparados para melhor fundamentação da sentença. A parcialidade do advogado não significa nem justifica a prática da corrupção ou uma ação deliberada para promover inverdades. Ela significa apenas que ele irá se dedicar à apreciação de um ângulo da realidade, a um aspecto dos fatos. A sua proximidade com o cliente possibilitará a consideração dos fatos da maneira que mais o favorecerá.
A missão do juiz não é prejudicada pela atuação competente dos advogados, mas é facilitada por ela. Ao juiz interessa que os advogados se aprofundem em aspectos distintos dos fatos, pois isso faz com ele se beneficie dos conhecimentos advindos das diferentes perspectivas para cumprir tempestivamente sua incumbência. A prática da advocacia ética suaviza o fardo de angústia do julgador, que precisa decidir questões tão importantes para a vida das pessoas em prazo de tempo limitado.
A justiça tem sido entendida desde a antiguidade como proporção, equilíbrio ou harmonia. A atuação do advogado no processo judicial garante a justiça formal, ou seja, o equilíbrio de forças requerido pelo Direito. O símbolo do Direito é a balança com pesos iguais nos dois lados. Tal símbolo se esvaziaria sem a presença do advogado.
O advogado é também um fiscal da correção dos procedimentos. Embora as formalidades sejam apenas instrumentais, servindo, portanto, a outros fins, elas são garantias contra a arbitrariedade e a desigualdade de tratamento.
A partir de todos esses esclarecimentos, nós podemos agora examinar os verdadeiros parâmetros através dos quais o advogado pode se considerar bem sucedido.
Sob a ótica do cliente, o advogado bem sucedido é aquele que conseguiu ressaltar todos os aspectos do caso que o favoreçam. É também aquele que explorou todos os recursos argumentativos do ordenamento jurídico em benefício da causa que patrocina. O advogado diligente identificará exceções e atipicidades oportunas, bem como construirá argumentos a partir de “lugares comuns” (topoi) da ordem jurídica. Nada disso implica em violação da ética, como aconteceria no caso de o advogado forjar provas ou se beneficiar de amizade com os julgadores.
A atuação do advogado é institucional. Uma instituição se constitui de estrutura e finalidade. A estrutura se refere a um modelo organizacional próprio, enquanto os fins da advocacia se sintetizam na busca da justiça formal e material. Embora o advogado, enquanto pessoa, deseje ganhar a ação, ele, enquanto, agente institucional, procura fazê-lo legitimamente. O contrato do advogado com o cliente é um contrato de meio e não de resultado. Ele não garante a prestação favorável, mas estabelece a obrigação de o profissional usar com diligência os seus conhecimentos e talentos em favor dos interesses de seu cliente.
Independente da obtenção de tudo quanto foi requerido, o advogado já se sentirá realizado ao saber que pôde contribuir na formação de elementos decisórios do julgador. Nesse caso, os argumentos do advogado “pesaram na balança” da sentença, pois ele conseguiu chamar a atenção para temas que poderiam ter sido desconhecidos.
O advogado aparece no Direito Privado através da relação com o cliente mediada pelo contrato de honorários, mas surge no Direito Público (Constitucional e Processual) como instituição imprescindível à justiça. Nessa última perspectiva, podemos apontar outro elemento que determina a sua realização pessoal e profissional: a consciência do importante papel social que desempenha.
O advogado serve não apenas ao cliente, mas também a toda sociedade. Ele não se orienta apenas pelos interesses que patrocina, mas também pelo valor da justiça, que é o fim de sua profissão. O conhecimento da nobreza de sua missão é o que lhe dá ânimo e entusiasmo.
O bom advogado terá possibilidades de ganhar muitas causas, pois as pessoas, que estiverem em situação favorecida pelo Direito, terão razões para procurá-lo, mas os motivos supramencionados o deixarão também satisfeito nas ocasiões em que não obtiver a prestação jurisdicional favorável aos interesses de seus clientes.
A riqueza obtida no exercício da profissão não é sinal decisivo de sucesso, pois muitos poderão colocar seus esforços em proveito daqueles que não podem pagar o que seria justo receber. O advogado das classes menos privilegiadas justifica a sua satisfação em motivos mais elevados que podem trazer sentido existencial mais profundo para a vida e para a profissão.
Quanto ao status que o exercício da profissão pode produzir, asseveramos que ele pode se manifestar de vários modos. Aqui, uma hierarquia deve ser respeitada. A reputação moral e a competência intelectual criam um status mais nobre que a riqueza. A riqueza injustamente adquirida traz prazeres em vida, mas vergonha ao túmulo. Ela permite herança para os filhos, mas lhes macula os nomes.
Não há realização pessoal e profissional na advocacia senão para os que mostram competência, ética e solidariedade. A advocacia é missão, não apenas profissão!

Glauco Barreira Magalhães Filho
Mestre em Direito (UFC)
Doutor em Sociologia (UFC)
Livre Docente em Filosofia do Direito (UVA)
Professor da Faculdade de Direito da UFC
Coordernador do Curso de Direito da Fametro
Membro da Academia da Cearense de Letras Jurídicas
Orientador do CEDIC (Centro de Estudos de Direito Constitucional)
Autor dos livros: Hermenêutica e Unidade Axiológica da Constituição (4ª ed.), Hermenêutica Jurídica Clássica (3ª ed.), A Essência do Direito (2ª ed.) e Teoria dos Valores Jurídicos

Nenhum comentário:

Postar um comentário