sábado, 24 de outubro de 2015

BATISTA OU REFORMADO?

A doutrina calvinista da predestinação foi associada por João Calvino e pelo seu antecessor, Santo Agostinho (século IV), ao batismo infantil. A chamada “teologia pactual” do calvinismo punha os filhos dos crentes sob a proteção salvadora através do batismo infantil. Em Santo Agostinho, o batismo dos filhos dos crentes lhes cancelava o pecado original. A anterioridade do batismo infantil à fé não era vista como algo esquisito, pois a salvação dependia mais da eleição do que da fé. Os eleitos estavam salvos pelo mesmo decreto de Deus que lhes determinava ter fé. Por esse motivo, o homem não era salvo pela fé, mas tinha fé porque era salvo (eleito). A regeneração, por sua vez, antecedia à fé e ao arrependimento.
            A doutrina batista, por outro lado, estabelecia o batismo adulto, que era administrado sob arrependimento e profissão de fé. Tertuliano (séculos II e III), em quem os batistas sempre viram os alicerces mais desenvolvidos de sua doutrina, deixou claro qual era o ensino apostólico. Em seus escritos, o livre arbítrio sob a graça é reconhecido a todos os homens, sendo universal a expiação provisional de Cristo.
Santo Agostinho perseguiu os grupos batistas de sua época (donatistas, etc.), enquanto os calvinistas mais antigos fizeram o mesmo com os batistas (anabatistas). A razão da rejeição dos batistas pelos antigos calvinistas derivava do fato de eles perceberem a incompatibilidade de sua doutrina da predestinação com a concepção de batismo dos batistas. Embora não concorde com a visão calvinista da predestinação, eu tenho que admitir que os calvinistas antigos estavam certos em sua conclusão: NÃO HÁ COMO SER CALVINISTA E BATISTA AO MESMO TEMPO e NÃO HÁ COMO SER BATISTA COERENTE E CALVINISTA CONJUNTAMENTE. Só a superficialidade teológica pode gerar uma incoerência como um batista-calvinista.
            C. H. Spurgeon foi um batista-calvinista e não posso negar a admiração que tenho por muitos aspectos de sua vida e mensagem. Noto, porém, uma variação enorme em seus sermões. Quando ele estava em uma época mais calvinista, parecia esquecer-se do batismo adulto. Quando, porém, estava pregando sobre ênfases batistas parecia negligenciar as doutrinas calvinistas. Há sermões de Spurgeon em que ele defende a expiação limitada, mas também há sermões em que ele defende a expiação universal com outras palavras. Quando entrou em confronto com os hipercalvinistas, bem como ao final de sua vida, pregou mensagens que inspirariam qualquer arminiano. Ele sentia essa tensão, mas disse que cabia a Deus conciliá-la.
            Não pretendo alongar-me nesse artigo, mas observo duas verdades batistas que são incompatíveis com o calvinismo:

(1)   Os batistas crêem que as crianças que morrem antes da idade da razão, sejam filhas de crentes ou não, estão salvas. Ora, não há nenhuma passagem da Bíblia que diga que crianças que morrem na infância são sempre eleitas. Os batistas, porém, costumam citar o versículo onde Jesus disse que “das crianças é o Reino dos céus”. Como isso vale para todas as crianças indistintamente e nós sabemos que todos nós nascemos “em pecado”, as afirmações só se harmonizarão se houver uma graça preveniente universal que garante salvação para as crianças até que se façam culpadas pelo seu pecado pessoal.
(2)   O batismo é um símbolo de regeneração e deve ser administrado sob profissão de fé, do que se deduz que a regeneração segue-se a fé, enquanto a ordem calvinista é inversa. No símbolo batismal, a profissão de fé é uma demonstração pública da fé interior, enquanto o batismo que SE LHE SEGUE é uma demonstração pública da regeneração interior.

            Não sou calvinista, porque sou batista. Não sou reformado, porque os batistas vêm de grupos anteriores à Reforma. Até C. H. Spurgeon reconheceu isso em um sermão:

            “Reflitam primeiro no fato de que a Igreja existe... Quando Roma papal descarregou sua astúcia maligna ainda mais furiosa e engenhosamente;quando assassinos cruéis caçavam os santos por entre os Alpes, ou os atormentavam nas terras baixas; quando os albigenses e os waldenses derramavam seu sangue nos rios e tingiam de carmesim a neve, ela continuava viva, e nunca esteve em estado mais sadio do que quando foi imersa em seu próprio sangue... A nossa sucessão apostólica percorre linha ininterrupta; não por meio da igreja de Roma; não vinda das mãos supersticiosas de papas feitos por sacerdotes, nem de bispos criados por reis (que envernizada mentira é a sucessão apostólica daqueles que tão orgulhosamente se gabam dela!), mas sim, por meio do sangue de homens bons e fiéis que jamais abandonaram o testemunho de Jesus; por meio dos lombos dos verdadeiros pastores, dos laboriosos evangelistas, dos mártires fiéis e de honoráveis homens de Deus, traçamos a nossa linha de ascendência até aos pescadores da Galiléia, e nossa glória é que, pela graça de Deus, perpetuamos a verdadeira e fiel Igreja do Deus vivo...”
           
            É também incompatível com as convicções batistas a doutrina calvinista da graça irresistível. Os batistas foram grandes defensores da responsabilidade pessoal e da tolerância religiosa, crendo que Deus nunca força ninguém a conversão. O batismo adulto era signo da fé que resulta da livre vontade sob a graça de Deus.
            Como Batista, creio na clareza das Escrituras, e, logo, tenho que aceitar as declarações explícitas da Bíblia de que Jesus morreu de modo provisional por todos e cada um dos homens.
            Como creio na integridade do caráter divino, acredito que a palavra que Deus nos mandou pregar a todos os homens, chamando-os ao arrependimento, não é marcada por cinismo. Por isso, defendo que a mensagem do evangelho é sempre acompanhada pela graça que possibilita o arrependimento.
            Como a graça é uma só, não posso aceitar que a graça opera irresistivelmente para conversão dos eleitos e resistivelmente na santificação do que já é crente. Acredito que os que se arrependem devem atribuir isso a Deus, pois não poderiam arrepender-se sem a graça divina, enquanto os que não se arrependem são disso culpados exatamente porque rejeitaram a graça que os poderia conduzir ao arrependimento.
            Como Deus nos oferece uma “grande salvação”, acredito na segurança eterna dos salvos e no dom da perseverança final.

           

Dr. Glauco Barreira Magalhães Filho

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