A doutrina
calvinista da predestinação foi associada por João Calvino e pelo seu
antecessor, Santo Agostinho (século IV), ao batismo infantil. A chamada
“teologia pactual” do calvinismo punha os filhos dos crentes sob a proteção salvadora
através do batismo infantil. Em Santo Agostinho, o batismo dos filhos dos
crentes lhes cancelava o pecado original. A anterioridade do batismo infantil à
fé não era vista como algo esquisito, pois a salvação dependia mais da eleição
do que da fé. Os eleitos estavam salvos pelo mesmo decreto de Deus que lhes
determinava ter fé. Por esse motivo, o homem não era salvo pela fé, mas tinha
fé porque era salvo (eleito). A regeneração, por sua vez, antecedia à fé e ao
arrependimento.
A
doutrina batista, por outro lado, estabelecia o batismo adulto, que era
administrado sob arrependimento e profissão de fé. Tertuliano (séculos II e
III), em quem os batistas sempre viram os alicerces mais desenvolvidos de sua
doutrina, deixou claro qual era o ensino apostólico. Em seus escritos, o livre
arbítrio sob a graça é reconhecido a todos os homens, sendo universal a
expiação provisional de Cristo.
Santo
Agostinho perseguiu os grupos batistas de sua época (donatistas, etc.),
enquanto os calvinistas mais antigos fizeram o mesmo com os batistas
(anabatistas). A razão da rejeição dos batistas pelos antigos calvinistas derivava
do fato de eles perceberem a incompatibilidade de sua doutrina da predestinação
com a concepção de batismo dos batistas. Embora não concorde com a visão
calvinista da predestinação, eu tenho que admitir que os calvinistas antigos
estavam certos em sua conclusão: NÃO HÁ COMO SER CALVINISTA E BATISTA AO MESMO
TEMPO e NÃO HÁ COMO SER BATISTA COERENTE E CALVINISTA CONJUNTAMENTE. Só a
superficialidade teológica pode gerar uma incoerência como um
batista-calvinista.
C.
H. Spurgeon foi um batista-calvinista e não posso negar a admiração que tenho
por muitos aspectos de sua vida e mensagem. Noto, porém, uma variação enorme em
seus sermões. Quando ele estava em uma época mais calvinista, parecia
esquecer-se do batismo adulto. Quando, porém, estava pregando sobre ênfases batistas
parecia negligenciar as doutrinas calvinistas. Há sermões de Spurgeon em que
ele defende a expiação limitada, mas também há sermões em que ele defende a
expiação universal com outras palavras. Quando entrou em confronto com os
hipercalvinistas, bem como ao final de sua vida, pregou mensagens que
inspirariam qualquer arminiano. Ele sentia essa tensão, mas disse que cabia a
Deus conciliá-la.
Não
pretendo alongar-me nesse artigo, mas observo duas verdades batistas que são
incompatíveis com o calvinismo:
(1) Os
batistas crêem que as crianças que morrem antes da idade da razão, sejam filhas
de crentes ou não, estão salvas. Ora, não há nenhuma passagem da Bíblia que
diga que crianças que morrem na infância são sempre eleitas. Os batistas,
porém, costumam citar o versículo onde Jesus disse que “das crianças é o Reino
dos céus”. Como isso vale para todas as crianças indistintamente e nós sabemos
que todos nós nascemos “em pecado”, as afirmações só se harmonizarão se houver
uma graça preveniente universal que garante salvação para as crianças até que se façam culpadas pelo seu pecado pessoal.
(2) O
batismo é um símbolo de regeneração e deve ser administrado sob profissão de
fé, do que se deduz que a regeneração segue-se a fé, enquanto a ordem calvinista
é inversa. No símbolo batismal, a profissão de fé é uma demonstração pública da
fé interior, enquanto o batismo que SE LHE SEGUE é uma demonstração pública da
regeneração interior.
Não sou calvinista, porque sou
batista. Não sou reformado, porque os batistas vêm de grupos anteriores à
Reforma. Até C. H. Spurgeon reconheceu isso em um sermão:
“Reflitam
primeiro no fato de que a Igreja existe... Quando Roma papal descarregou sua
astúcia maligna ainda mais furiosa e engenhosamente;quando assassinos cruéis
caçavam os santos por entre os Alpes, ou os atormentavam nas terras baixas;
quando os albigenses e os waldenses derramavam seu sangue nos rios e tingiam de
carmesim a neve, ela continuava viva, e nunca esteve em estado mais sadio do
que quando foi imersa em seu próprio sangue... A nossa sucessão apostólica
percorre linha ininterrupta; não por meio da igreja de Roma; não vinda das mãos
supersticiosas de papas feitos por sacerdotes, nem de bispos criados por reis
(que envernizada mentira é a sucessão apostólica daqueles que tão
orgulhosamente se gabam dela!), mas sim, por meio do sangue de homens bons e
fiéis que jamais abandonaram o testemunho de Jesus; por meio dos lombos dos
verdadeiros pastores, dos laboriosos evangelistas, dos mártires fiéis e de
honoráveis homens de Deus, traçamos a nossa linha de ascendência até aos
pescadores da Galiléia, e nossa glória é que, pela graça de Deus, perpetuamos a
verdadeira e fiel Igreja do Deus vivo...”
É também incompatível com as
convicções batistas a doutrina calvinista da graça irresistível. Os batistas
foram grandes defensores da responsabilidade pessoal e da tolerância religiosa,
crendo que Deus nunca força ninguém a conversão. O batismo adulto era signo da
fé que resulta da livre vontade sob a graça de Deus.
Como Batista, creio na clareza das
Escrituras, e, logo, tenho que aceitar as declarações explícitas da Bíblia de
que Jesus morreu de modo provisional por todos e cada um dos homens.
Como creio na integridade do caráter
divino, acredito que a palavra que Deus nos mandou pregar a todos os homens,
chamando-os ao arrependimento, não é marcada por cinismo. Por isso, defendo que
a mensagem do evangelho é sempre acompanhada pela graça que possibilita o arrependimento.
Como a graça é uma só, não posso
aceitar que a graça opera irresistivelmente para conversão dos eleitos e
resistivelmente na santificação do que já é crente. Acredito que os que se
arrependem devem atribuir isso a Deus, pois não poderiam arrepender-se sem a
graça divina, enquanto os que não se arrependem são disso culpados exatamente
porque rejeitaram a graça que os poderia conduzir ao arrependimento.
Como Deus nos oferece uma “grande
salvação”, acredito na segurança eterna dos salvos e no dom da perseverança
final.
Dr. Glauco
Barreira Magalhães Filho
Esse texto erra do início o fim.
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