INTRODUÇÃO
Henrique VIII, antes de se
proclamar o Chefe da Igreja na Inglaterra, foi um católico romano fervoroso.
Ele chegou mesmo a escrever um livro atacando as idéias de Martinho Lutero (A
Defesa dos Sete Sacramentos), recebendo, por esse motivo, o título de
“Defensor da Fé” do papa Leão X. Segundo o historiador Frank Dwyer, ele
separou-se da igreja romana após ter sido “constantemente ludibriado e passado
para trás por reis, papas e imperadores da Europa”.
Henrique VIII continuou
católico após romper com Roma, razão pela qual a igreja anglicana conservava a
dogmática romanista, tendo, porém, o rei como o seu chefe. Foi somente depois
da morte de Henrique VIII que chegou plenamente a Reforma para a igreja da
Inglaterra. Examinaremos aqui os eventos ligados à vida de Henrique VIII e a
sua relação com a igreja romana. Em seguida, consideraremos a evolução
posterior do anglicanismo.
HENRIQUE VIII E A IGREJA
ROMANA
Henrique
VII (pai de Henrique VIII) prometeu casar Arthur (o seu filho mais velho e
herdeiro legítimo do trono) com Catarina de Aragão (filha do rei Fernando da
Espanha). O objetivo dessa união era selar a aliança entre seus pais (os reis
da Inglaterra e da Espanha) contra um inimigo comum, o grande rei Luís XII, da
França. O futuro filho do novo casal, por outro lado, poderia garantir a
participação inglesa nos destinos da Europa.
O
casamento se deu em 04 de novembro de 1501. No cortejo que levava Catarina para
a Catedral de São Paulo, onde se casaria com Arthur, estava Henrique (que viria
a ser Henrique VIII), irmão de Arthur. Ele era cinco anos mais novo que
Catarina.
A
mãe de Catarina era Isabel de Castela, uma mulher profundamente católica.
Isabel tanto queria promover as luzes do Renascimento como as trevas da
Inquisição. O rei Fernando (pai de Catarina), para não ser ameaçado pela
França, casara as filhas com dois filhos de reis (o de Portugal e o da
Inglaterra) e com a família do Imperador do Sacro Império Romano-Germânico.
Em
abril de 1502, houve a súbita morte de Arthur, irmão de Henrique e esposo de
Catarina de Aragão. A rainha Isabel queria que Henrique substituísse Arthur,
casando-se com Catarina. Os cânones da igreja, porém, baseados no Velho
Testamento (Levítico 20: 21), não permitiam aquele enlace. O papa Júlio II,
entretanto, politicamente interessado naquela união, deu autorização especial
para o casamento. Em 1511, esse mesmo papa organizaria uma “Sagrada Aliança”
com a Espanha contra o rei francês.
O
casamento de Henrique com Catarina deveria se dar quando ele tivesse 15 anos.
Lembramos que Catarina era cinco anos mais velha que ele. Frank Dwyer observa
que Henrique ficou em isolamento obrigatório até completar os 15 anos:
“O
isolamento do príncipe Henrique, no Palácio de Richmond, em Surrey, foi ainda
mais severo do que o de Catarina. O menino era estreitamente vigiado por seu
nervoso pai, que fazia todo o possível para manter a última esperança da linha
Tudor...”[1]
Um
dia antes de seu 14o aniversário, o príncipe Henrique compareceu ao
Conselho Privado (formado por assessores do rei) e repudiou secretamente a sua
promessa de casar-se com Catarina. “Embora nem a Espanha nem Catarina soubessem
disso até muito mais tarde, o contrato de casamento fora unilateralmente
anulado pelos ingleses”(Frank Dwyer).
Com
a morte do pai, Henrique saiu do confinamento, tornando-se Henrique VIII e
casando-se com Catarina, que tinha 23 anos. Nesse período, ele dividia a sua
vida entre a igreja e o jogo. Chegava a ouvir até cinco missas por dia, ao
mesmo tempo em que se divertia nos banquetes e nos jogos de dados e cartas.
Quando
o papa Júlio II fez uma aliança com a Espanha e Veneza contra o rei Luís XII da
França, ele enviou uma bula secreta nomeando Henrique VIII rei da França caso
aquele país fosse conquistado, enquanto o rei Fernando (Espanha) prometia
ajudar Henrique a conquistar a Aquitânia, região francesa que já havia
pertencido aos ingleses. Essas promessas eram condicionadas ao apoio de
Henrique na luta contra a França. Henrique entrou na luta e teve destacadas
vitórias, mas foi enganado tanto pelo papa como pelo rei Fernando.
Henrique
VIII firmou o Tratado de Lille com Fernando e Maximiliano, para, com o apoio
deles, conquistar a França, mas foi novamente traído, pois, dez dias depois,
ambos passaram a negociar secretamente com a França. Essa era a terceira vez
que o pai de Catarina (esposa de Henrique VIII) traía o rei inglês. Ele mal
podia acreditar.
Dentro
da Inglaterra, crescia o poder Thomas Wolsey. Ele era um padre ambicioso que
conquistara várias honrarias, sendo finalmente Lord Chanceler da Inglaterra. A
cada novo título, ele via crescer a sua fortuna. Em 1515, o papa Leão X nomeou
Wolsey cardeal. Depois, ele foi nomeado núncio papal.
Henrique
VIII, revoltado com as traições da família de Catarina e, interpretando que o
papa não poderia ter autorizado o seu casamento com ela, questionava a validade
de seu matrimônio, desejando casar-se com Ana Bolena. O rei entendia ser um
castigo divino o fato de Catarina não lhe ter dado um filho do sexo masculino,
embora sentisse orgulho de sua filha Maria, a qual “nunca chorava”. Mais tarde,
após a morte de Henrique VIII e de seu imediato sucessor, Maria reinaria
tiranicamente sobre a Inglaterra. Ela procuraria levar a Inglaterra de volta ao
catolicismo, martirizando muitos protestantes, e ficando conhecida como “Maria,
a sanguinária”.
Wolsey
pretendia montar um tribunal secreto para anular o casamento do rei com
Catarina, mas Carlos, o mais poderoso monarca da Europa, sobrinho de Catarina,
não aceitaria tal coisa. Carlos também tinha o papa nas suas mãos. Em 1527, um
exército alemão indisciplinado havia saqueado Roma e o papa, fugindo por um
túnel que ia do Vaticano até a fortaleza do Castelo de Santo Ângelo, caíra nas
mãos de Carlos. Wolsey, então, preferiu desfazer o tribunal secreto.
Henrique
enviou um pedido de anulação de seu casamento ao papa ao mesmo tempo em que
Carlos defendia a causa de Catarina perante o papa Clemente. Wolsey defendia
que a autorização que o papa Júlio dera para o casamento fora errônea.
O
papa Clemente, um esperto, usou todos os meios para protelar a decisão. Chegou
mesmo a dar aos embaixadores de Henrique uma autorização para que este casasse
com Ana Bolena, mas era um engodo, pois a autorização só teria efeito depois
que o casamento com Catarina fosse declarado ilegal.
Em
1528, a Inglaterra declarou guerra ao Sacro Império (Carlos). Por outro lado, o
papa iniciou negociações de seu interesse com Carlos.
O papa Clemente
nomeou uma comissão geral com Wolsey e Campeggio para julgar o caso de anulação
do casamento de Henrique na Inglaterra, sem haver apelação para o seu
veredicto. Era uma nova cilada: a confirmação do veredicto papal não estava
garantida.
Na
medida em que os exércitos de Carlos dominavam a Europa, o imperador obtivera
do papa a promessa secreta de que a anulação do casamento de Henrique não
aconteceria. Os melhores argumentos de Catarina eram os poderosos exércitos de
seu sobrinho e o Tratado de Barcelona, que o papa assinara com Carlos.
Henrique
VIII terminou casando secretamente com Ana Bolena antes da decisão papal acerca
da anulação de seu primeiro casamento. A oposição do papa ao novo casamento
causou a ruptura da igreja inglesa com Roma. O parlamento inglês, então,
reconheceu o rei como Chefe da Igreja da Inglaterra.
O
Parlamento inglês de 1529-1536 já vinha elaborando uma série de leis que vinham
separando gradualmente os laços entre a Igreja Inglesa e Roma. Isso culminou no
Ato de Supremacia (1534), que declarou o rei como “o único Supremo
Cabeça na terra da Igreja da Inglaterra”. Era um retorno ao princípio medieval
do “príncipe piedoso”.
Depois
de romper com o papado, Henrique VIII continuou defendendo a doutrina da
transubstanciação e muitas outras doutrinas católicas. Ele perseguiu
severamente os protestantes, bem como os católicos que não reconheciam a sua
posição de chefe da igreja. Aos protestantes, ele dava a morte na fogueira,
conforme a prática romanista. Entre os católicos mortos por Henrique, estava o
seu ex-amigo Thomas More, o qual havia perseguido severamente muitos protestantes.
Tony Lane observa que é difundida a falsa idéia de que o reformador João
Calvino era um ditador em Genebra, mas a verdade é que Calvino nunca foi líder
político em Genebra, enquanto Thomas More (tido como “santo”), sob a autoridade
do ainda católico romano Henrique VIII, gerenciou forte perseguição e tortura
contra muitos protestantes.
Os
protestantes da Europa não confiavam em Henrique VIII. Frank Dwyer observa:
“Procurando
aliados desesperadamente, Henrique fez alguns acenos para os líderes protestantes
da Alemanha, que tinham se reunido na Liga de Schmalkalde. Mas os luteranos
mostraram-se frios para com o monarca em perigo e que, afinal de contas, não
era um verdadeiro protestante. Eles sabiam que o rei inglês não estava
interessado em servir a nenhuma religião... Martinho Lutero chamara o divórcio
de ‘um crime aos olhos de Deus’. ‘O senhor Henrique pretende ser Deus e fazer o
que quiser’, observara Lutero com desdém.”
“Enquanto o Parlamento, habilmente manobrado por
Cromwell, tentava impedir a difusão do protestantismo radical na Inglaterra,
Henrique, para garantir uma aliança, fingia estar cada vez mais interessado no
luteranismo. Em maio de 1539, o Parlamento aprovou a Lei de Seis Artigos, a codificação dos princípios básicos da
Igreja Anglicana, que pôs fim às reformas luteranas na Inglaterra. A Igreja
Anglicana mantinha a maior parte da doutrina católica; a diferença era que a
Igreja inglesa seria chefiada pelo rei, não pelo papa. No conflito central
entre o catolicismo e o luteranismo em relação à transubstanciação, Henrique
aderia à posição católica de que o pão e o vinho da comunhão milagrosamente
transformavam-se no corpo e sangue de Cristo durante a missa. Qualquer
discordância dessa crença era sujeita a punição – Henrique não estava disposto
a tolerar o protestantismo radical.”[2]
Depois de
uma sucessão de novos casamentos, em 12 de julho de 1543, Henrique VIII
casou-se com a sua sexta esposa. Ela chamava-se Catarina Parr. Frank Dwyer
comenta o seguinte sobre o fato:
“Foi
o casamento mais sensato que fez em sua vida. Catarina Parr era uma mulher
extremamente boa, generosa e tolerante. Como resultado de seus persistentes
esforços, os três filhos do rei reuniram-se na casa do pai pela primeira vez.
Ana Cleves também ia ocasionalmente jantar com Henrique e Catarina. A nova
rainha, uma protestante erudita, adorava as atividades piedosas. A corte de
Henrique logo brilhou novamente com a alegre busca do conhecimento...”[3]
Catarina Parr, com muito esforço, conseguiu
reconciliar Henrique com as filhas (Maria e Elisabete). Ela passava muito tempo
discutindo assuntos teológicos com o rei. O seu objetivo era persuadir Henrique
a abraçar o protestantismo. Isso alarmou muitos clérigos. Carolly Erickson
disse que “a sua dedicação à purificação da Igreja era persistente e sincera”.
Catarina
Parr e o seu círculo protestante conseguiram levar Henrique às primeiras
iniciativas em direção à Reforma na Igreja Anglicana. Isso, entretanto,
aconteceu em meio a muitas tensões e recuos de Henrique. O bispo de Winchester,
Stephen Gardiner, um dos principais ministros de Henrique perseguia com
violência os protestantes. Ele foi o responsável por Ana Askew ser queimada
como herege. Askew, que tinha a simpatia das damas da rainha, foi queimada por
não crer na transubstanciação. Gardiner chegou mesmo a acusar a rainha de
heresia e persuadiu Henrique a assinar uma denúncia secreta contra ela. O rei,
porém, mudou de idéia na última hora e tomou a defesa da esposa quando vieram
prendê-la.
REFORMA
E RETORNO DO CATOLICISMO
Henrique
morreu em 28 de janeiro de 1547. Eduardo VI, o seu jovem e enfermo filho,
tornou-se o rei. Ele foi considerado o primeiro monarca protestante da
Inglaterra. Nessa época, a Igreja Anglicana aderiu à Reforma e formulou o Livro
de Oração Comum. Pelo Ato de Uniformidade, ele aboliu o rito católico a favor
do serviço protestante. Eduardo VI morreu logo de tuberculose, dando
oportunidade de Maria (a sanguinária) ascender ao trono.
Maria
era católica e usou a posição de chefe da Igreja Anglicana para restaurar o
catolicismo e promover uma sangrenta perseguição aos protestantes. Depois de
seu governo, a Inglaterra criou uma aversão à idéia de retorno ao catolicismo.
PROTESTANTISMO
MODERADO E PURITANISMO
Depois
de Maria, Elisabete I, a Rainha Virgem, assumiu o trono. Essa foi a Era
Dourada inglesa. Elisabete restaurou o protestantismo, mas numa via
moderada.
Em
período posterior, houve novas concessões parciais à doutrina católica com
Carlos I. A Revolução Puritana, porém, restaurou o protestantismo clássico de
uma forma radical. Novas tendências católicas vieram quando os sucessores de
Carlos I reassumiram o trono. Da Revolução Gloriosa até o Movimento de Oxford
prevaleceu o protestantismo ortodoxo com variantes ocasionais. Até hoje dentro
do anglicanismo, há tendências católicas herdadas de Henrique VIII (e de Maria,
a sanguinária), tendências protestantes clássicas herdadas do período de
Eduardo VI e tendências protestantes moderadas herdadas de Elisabete I. O
liberalismo teológico, com o seu ceticismo e amoralidade, têm sido, porém, a
grande ameaça dentro do anglicanismo contemporâneo.
CARACTERÍSTICAS
ANGLICANAS
Embora
o rei (ou a rainha) seja “o Chefe da Igreja da Inglaterra”, nunca foi
reivindicada a infalibilidade em assuntos doutrinários para o rei
(diferentemente do que acontece com o papado). Os documentos do anglicanismo
fazem apelo às Escrituras como autoridade final em assuntos espirituais. Além
disso, o rei apenas representa simbolicamente a unidade da igreja. A sua
“chefia” é no campo institucional, não doutrinário. São os bispos primazes,
principalmente o arcebispo da Cantuária, que definem a fé anglicana.
Henrique
VIII não fez a Reforma, mas separou de Roma a Igreja da Inglaterra. Isso abriu
as portas para ações dos verdadeiros reformadores.
Para os
anglicanos, a Igreja da Inglaterra não se separou do papado, mas, sim, se
libertou dele. A Bretanha foi evangelizada por pregadores celtas que nada
sabiam sobre o primado do bispo de Roma. Até o calendário religioso e a data de
celebração da Páscoa dos bretões eram diferentes dos da Igreja Romana até o
século VII. Foi no Sínodo de Whitby (663-664) que o rei de Northumbria impôs
aos ingleses a submissão às sentenças do papa.
Na
Idade Média, a Inglaterra teve muitos movimentos que defendiam as doutrinas
que, depois, foram sustentadas pelo protestantismo. Destacamos aquele liderado
por John Wycliffe, para quem o papa era o próprio Anticristo. Também lembramos
o franciscano Guilherme de Ockham como outro religioso inglês que questionou a autoridade
que o papa reivindicava.
Dr.
Glauco Barreira Magalhães Filho
Doutor
Honoris Causa
Doutor em
Teologia
Doutor
em Sociologia
Livre-Docente
em Filosofia
Mestre
em Direito
Professor
de Hermenêutica da Universidade Federal do Ceará
Coordenador
do Curso de Direito da Fametro
Diretor do Instituto Pietista de Cultura
Li a narrativa como você sugeriu, o Rei Henrique VIII até me pareceu um bom sujeito na forma que você escreve, ao passo que fora, implantados mentiras em relação a Calvino, que sequer desejou a morte de Servet. Infelizmente vejo em você antes de tudo um anti católico, especialista eu digo. Essa raiz anti católica vem da reforma, vem do iluminismo e nos EUA é cultural, não sendo possível esperar qualquer atitude imparcial ( Phillip Jenkins. The New Anti-Catholicism: The Last Acceptable Prejudice. Oxford University Press, 2003. [S.l.: s.n.] Eu sempre tive muita curiosidade de entender como funciona o fundamento do entendimento protestante, e o porque a negação pela igreja histórica representada na sucessão apostólica. Eu passei a entender a partir de Calvino, na ideia de estado caído! A partir daí a razão humana é maculada, daí qualquer obra humana pode se tornar idolatria..nesse caso...a igreja composta por homens e as suas conclusões...é idolatria...Pois bem a questão é que esse receio da razão ataca a própria humanidade de Cristo...ou até mesmo a bíblia...não a Palavra..mais a Bíblia... ou seja, o conjunto de livros reunidos pela igreja que o senhor usa nos cultos...
ResponderExcluiro senhor usa expressões anti católicas como igreja de Roma..no sentido que ela é apenas uma expressão territorial...enquanto deveria mencionar que a sede é em Roma ou então dentro da tradição Igreja que Santo Inácio de Antioquia já denominava católica...Faltou no texto o senhor mencionar quais eram os interesses dos papas... se eles queriam revolução... faltou o senhor mencionar a Oratio, de Richard Sampson para cortar o laço com "Roma"
ResponderExcluirJCosta, pode ser pela minha "limitação" cultural ou cognitiva, mas não entendo nunca onde você quer chegar com os argumentos. Tudo me parece muito confuso. Talvez seja bom não perder mais o seu tempo comigo, pois quanto mais você fala mais confuso eu acho tudo que você diz. Abraço!
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