O Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de
Juristas Evangélicos – ANAJURE –
no uso das suas atribuições estatutárias e regimentais:
Considerando a
publicação da Resolução Nº 175, de 14 de maio de 2013, do Presidente do
Conselho Nacional de Justiça, Ministro Joaquim Barbosa, que “Dispõe
sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união
estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo”;
Considerando a
necessidade de posicionamento desta entidade em defesa do Estado Democrático de
Direito, em especial do Princípio Constitucional da Separação dos Poderes;
Considerando o
direito humano fundamental de objeção de consciência dos servidores e
funcionários de Cartórios de todo o país;
Considerando a
necessidade de orientação dos membros e líderes das igrejas cristãs brasileiras;
Emite
Parecer constante desta Carta Aberta na qual, de plano, repudia, com a devida
vênia, a edição da Resolução Nº 175/2013 do CNJ por ser esta formal e
materialmente inconstitucional. O CNJ inovou, sem ter
o respaldo, sequer, da decisão do STF na ADI 4277/DF e ADPF 132/RJ de 2011 que
equiparou a união estável homossexual à união estável entre homem e mulher.
Assim também, através do presente expediente a ANAJURE informa e adota medidas
concernentes ao resguardo e defesa do principio da liberdade de consciência e
seu corolário constitucional, o princípio da objeção de consciência, nos termos
do suporte jurídico e fáctico adiante explicitados, a fim de que servidores e
funcionários cartorários tenham suas liberdades civis fundamentais respeitadas.
Segue o Parecer e nosso conjunto de Medidas.
1) O STF e o CNJ: um escorço histórico sobre a inconstitucionalidade e ilegitimidade da institucionalização da união e “casamento” homossexual.
Em
sua obra “Juízes
Legisladores” [1], o
famoso jurista italiano, Mauro Cappelletti, denunciando o ativismo judicial dos
atuais tempos, apresenta-nos uma citação do jurista inglês, Lord Devlin –
e aqui a mencionamos a propósito desta “antecipação de consenso legislativo” que
impera no Poder Judiciário brasileiro – que é digna de apreciação introdutória
na presente missiva. Diz a citação do jurista inglês:
“É grande
a tentação de
reconhecer o judiciário como uma elite capaz de se desviar dos trechos
demasiadamente embaraçados da estrada do processo democrático. Tratar-se-ia, contudo, de desviação só aparentemente
provisória; em realidade, seria ela a entrada de uma via incapaz de se reunir à
estrada principal, conduzindo inevitavelmente, por mais longo
e tortuoso que seja o caminho, ao
estado totalitário.” (grifos
nossos)
A
realidade descrita nesta assertiva é exatamente a mesma que, infelizmente,
estamos a viver no nosso país atualmente. Vivemos sob a égide de um processo
perigoso de “judicialização
do poder constituinte originário" [2]. De
fato e de direito, os princípios basilares da democracia moderna, quais sejam,
o da Separação de Poderes e dos Freios e Contrapesos (checks and balances), não têm sido respeitados pelo Poder Judiciário
nacional, como no caso, agora, do Conselho Nacional de Justiça e a edição da
Resolução Nº 175/2013.
Nos
últimos tempos, o órgão de cúpula do Poder Judiciário nacional, o STF, tem
sido provocado – por meio de ADI’s (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) e ADPFs
(Arguições
de Descumprimento de Preceito Fundamental) – a decidir sobre questões que
envolvem o complexo ideário sociocultural da denominada consciência nacional, os seus mores maiorum civitatis, aquilo que a sociedade
classifica, em termos comportamentais, como o seu “belo”, o seu “bem” e a sua
“verdade”. Mais que isso, o STF tem sido provocado a decidir sobre todas essas
questões com implicações de ordem legiferante e mutacional (seja como “legislador”
positivo, seja como “legislador” negativo, através da técnica hermenêutica de interpretação conforme) de tal modo que os mais
relevantes (e por isso o termo latino mores
maiorum) valores morais e padrões éticos de comportamento estabelecidos
pela Nação Brasileira na Constituição Federal de 1988 estão sendo objeto de
construção e desconstrução “legislativa” por uma corte formada por apenas
11 pessoas do Povo Brasileiro.
Assim,
se é certo que a atual Constituição, conforme estabelece o preâmbulo
constitucional, foi formada e sedimentada em determinados pilares morais e
éticos e “sob
a proteção de Deus” – porque esta foi a vontade do legítimo proprietário
do Poder Constituinte, a Nação Brasileira – também é certo que, hoje, o STF, de
modo equivocado e autoritário, ao nosso entender, tem sido levado a desmontar
e remontar a estrutura ideológica da consciência nacional que formatou a
Constituição Federal de 1988 sem a devida autorização do Povo e da própria
Constituição para isso. O recente caso do estabelecimento da união homossexual
através do Poder Judiciário [3] e não
do Poder Legislativo é um típico exemplo disso.
Evidente
que a Nação Brasileira ao estabelecer a Constituição Federal por meio da Assembleia
Nacional Constituinte – expressão maior do seu Poder Constituinte Originário – não autorizou a inovação
legislativa – especialmente, em temas de alta complexidade moral e ética – por
parte de nenhum Poder ou Órgão da República Federativa do Brasil, a não ser o
Poder Legislativo da União que pode fazê-lo – tais inovações e mutações
constitucionais e infraconstitucionais – por ser o legítimo detentor do
chamado Poder Constituinte Derivado.
Este
é um simples escorço histórico do que vem acontecendo no nosso país, com o
crescenteativismo
judicial do STF que,
certamente, tem se tornado, até mesmo por pressão de determinados grupos
sociais minoritários, uma espécie de “atalho legislativo”. A antítese para esta síntese é: o STF não pode dispor sobre o poder que sobre ele
dispõe, qual seja, a super omnia (soberania) do povo, nos termos da
Constituição Federal de 1988.
Pois
bem. Não bastasse o fato de que a Suprema Corte nacional tem relativizado
princípios elementares do Estado Democrático de Direito, agora, em decisão
recente, o Conselho
Nacional de Justiça, de igual forma, ultrapassa
todos os limites da razoabilidade jurídica. Através de uma simples
resolução administrativa promove, autoritariamente, alterações de ordem
constitucional e infraconstitucional no sistema jurídico brasileiro, de tal
modo que, além de trazer sérias implicações de ordem moral à sociedade
brasileira, desrespeita, flagrantemente, a liberdade de consciência dos
servidores e funcionários dos Cartórios de todo o país, vez que, nos termos do
art. 2º da referida resolução “a recusa (…) implicará a imediata comunicação ao
respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis”.
De
fato não há mais limites para o ativismo judicial e para a judicialização do
poder constituinte originário no Brasil. A utilização
da “técnica
de interpretação conforme” utilizada pelo STF no julgamento da ADPF 132 e
da ADI 4277, assim como no RESP 1.183.378 do STJ [4], é autoritária, porque inova a ordem constitucional
brasileira sem ser pela via correta e democrática, qual seja, o Poder
Legislativo. Não havia
fundamento constitucional ou legal para o que foi feito, assim como não há no
caso agora da Resolução 175 do CNJ. Neste sentido, o grande
constitucionalista português J. Canotilho diz “não se aceita a interpretação conforme a
Constituição, quando, pelo processo de hermenêutica, se obtiver uma regra nova e distinta daquela
objetivada pelo legislador, seja em seu sentido literal ou objetivo”.
Já
no caso da união gay julgado em 2011, como não havia previsão constitucional
para a institucionalização da mesma, o máximo que o STF poderia ter feito
naquela ocasião era usar a técnica jurídico-constitucional alemã denominada de “apelo ao
legislador” (o “Appellentscheidungen”). Esta técnica consiste
em o Tribunal exortar ao legítimo representante do Povo – o Poder Legislativo –
que, tendo em vista as transformações fácticas da atual realidade histórica,
este deve proceder a uma determinada alteração (infra)constitucional. O
Tribunal, corretamente, abstém-se, assim, de proferir a declaração de
(in)constitucionalidade (ou de descumprimento de preceito fundamental), apenas
apelando ao Poder competente e legítimo a procedê-lo, se assim o entender. Isso
é altamente democrático. Isso é o
que deveria ter feito o STF no julgamento da ADPF 132 e ADI 4277.
Como
bem lembrou à época o eminente jurista Lênio Streck, em nenhum país do mundo
aprovou-se a união gay via judiciário, porque isso
não é matéria de jurisdição e sim de legislação. Neste sentido, sábios
foram os “Le
sages” do “Conseil
constitutionnel de France” que, em julgamento idêntico, em janeiro do
mesmo ano de 2011, numa situação jurídica exatamente semelhante a nossa no que
diz respeito à união homossexual, simplesmente se limitou a dizer: “selon la loi
française, le mariage est l’union d’un homme et d’une femme”. E
sentenciou: “Não
cabe ao Conselho Constitucional substituir seu parecer pelo do legislador”
(Décision
n° 2010-92 QPC du 28 janvier 2011). A democracia francesa deu um grande
exemplo. Tanto é assim que só agora em 2013, via Poder Legislativo, a união gay
foi aprovada, ainda que a representatividade parlamentar não se verifique no
plano da correspondência com a opinião da maioria do povo francês. Mas ao menos
se respeitou o procedimento correto, a via legislativa, não o atalho ao
legislativo, como no caso brasileiro.
A
questão atual que envolve o CNJ é ainda mais grave, porque não só se
desrespeitou a Constituição Federal e o Código Civil, instituindo-se o
casamento civil gay sem a devida sustentação jurídica, como também, inovou-se
em relação à decisão do próprio STF que foi, tão-somente, no sentido de
equiparar a união gay às uniões estáveis heterossexuais,como nova modalidade de
entidade familiar.
Neste
sentido, no Acórdão e Voto do Relator, o Ministro Carlos Ayres Britto, está
claro que, ao contrário da Constituição de 1967 [5] que dava ênfase à constituição da instituição
família via casamento civil, na CF de 1988 a ênfase
– assim descrita no caput do art. 226 – é na família,
podendo esta ser formada por várias modalidades, inclusive, a por pessoas do
mesmo sexo, segundo a interpretação dada pelo STF no decisum de
2011. E exatamente neste sentido é que foi dada a interpretação conforme
naquele julgamento. Ou seja: até mesmo no
equivocado julgamento de 2011 ficou claro que ali se estava a equiparar a união
estável gay com a união estável entre homem e mulher, como novos modelos de
entidades familiares. Não se
estava a assentir na possibilidade do casamento civil entre pessoas do mesmo
sexo, já que, neste caso, existem óbices e requisitos legais a
serem modificados pelo Poder Legislativo.Neste sentido, por exemplo, foram as divergências,
quanto à fundamentação, dos Ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovski no
aludido julgamento.
O
Ministro Gilmar, neste diapasão, assentiu [6]:
“É
importante retomar o argumento dos limites e possibilidades de utilização,
neste caso, da técnica de interpretação conforme à Constituição. É que a nossa
legitimação como Corte Constitucional advém do fato de nós aplicarmos a
Constituição, e Constituição enquanto norma. E, para isso, não podemos dizer que nós lemos no
texto constitucional o que quisermos, há de haver um consenso básico.
Por isso que essa questão é bastante sensível, porque, se abrirmos o texto
constitucional, no que diz respeito a essa matéria, não vamos ter dúvida ao que
se refere o artigo 226, § 3º, multicitado: ‘§ 3º Para efeito da proteção do
Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento’. Logo, a
expressão literal não deixa dúvida alguma de que nós estamos a falar de ‘união
estável entre homem e mulher’. A partir do próprio texto constitucional,
portanto, não há dúvida em relação a isso. Por isso, a meu ver, a solução que aponte como
fundamento suficiente para o caso apenas uma leitura interpretativa alargada do
dispositivo mencionado seria extravagante à atuação desta Corte e em
descompasso com a técnica de interpretação conforme à Constituição.
É essencial que deixemos devidamente explicitados os fundamentos
constitucionais que demonstram por que estamos fazendo esta leitura diante de
um texto tão claro como este, em que se diz: a união estável é a união estável
entre homem e mulher. E isso é relevante, diante do fato de alguns entenderem,
aqui, menos do que um silêncio, um claro silêncio eloquente, no sentido de
vedar o reconhecimento almejado. Portanto, parto da premissa de que aqui há
outros fundamentos e direitos envolvidos, direitos de perfil fundamental
associados ao desenvolvimento da personalidade, que justificam e justificariam
a criação de um modelo de proteção jurídica para essas relações existentes, com
base no princípio da igualdade, no princípio da liberdade, de autodesenvolvimento
e no princípio da não discriminação por razão de opção sexual. Daí decorre,
então, um dever de proteção. Mas é
preciso mais uma vez dizer isso de forma muito clara, sob pena de cairmos num
voluntarismo e numa interpretação ablativa, em que, quando nós quisermos, nós
interpretamos o texto constitucional de uma ou outra maneira. Não se pode
atribuir esse arbítrio à Corte, sob pena de nos deslegitimarmos.”.
E
conclui a divergência:
“Por isso,
neste momento, limito-me a reconhecer a existência da união entre pessoas do
mesmo sexo, por fundamentos jurídicos próprios e distintos daqueles
explicitados pelo Ministro Ayres Britto e, com suporte na teoria do pensamento
do possível, determinar a aplicação de um modelo de proteção semelhante – no
caso, o que trata da união estável –, naquilo que for cabível, nos termos da
fundamentação aqui apresentada, sem me pronunciar sobre outros desdobramentos”.
Mais
ainda, o próprio Ministro Joaquim Barbosa, no seu Voto,
destacou que, ao assentir
no reconhecimento da união homossexual, não o fazia, com fulcro no art. 226,
§3º da Constituição Federal, que fala textualmente da união estável
heterossexual e da facilitação desta no casamento civil. Diz o Ministro, in
verbis:
“Assim,
nessa ordem de idéias, eu concordo com o que foi sustentado da tribuna pelo
ilustre professor Luís Roberto Barroso, isto é, creio que o fundamento constitucional para o
reconhecimento da união homoafetiva não está no art. 226, § 3º da Constituição,
que claramente se destina a regulamentar as uniões entre homem e mulher não
submetidas aos rigores formais do casamento civil." [7]
Destarte,
em nenhum momento, o STF se pronunciou no julgamento de 2011, de modo
autorizativo, no tocante à admissão, sem a devida mudança legislativa, do
sistema material civilista, do Casamento Civil gay. Neste sentido, é de se repudiar veementemente a inovação
preconizada pela Resolução Nº 175 do Conselho Nacional de Justiça, proclamada
pelo Ministro Joaquim Barbosa.
2) Sobre
o decisum do RESP 1.183.378/RS do STJ (Superior Tribunal de Justiça):
Como
fundamento para a edição da Res. 175/2013, o presidente do CNJ usa a decisão do
Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 1.183.378/RS de 24/10/2011.
O
referido RESP foi interposto por duas mulheres que tiveram negado,
administrativamente, no Cartório, seu pedido de habilitação de casamento civil.
Após ingressarem judicialmente com este pedido, elas tiveram sentença
denegatória na primeira instância, sentença esta confirmada pelo egrégio
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, motivo pelo qual foi interposto
Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça.
No
referido decisum do
STJ, lavrado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, reforma-se a decisão do TJRS no
sentido de admitir a possibilidade do casamento civil gay, inobstante a
sistemática atual do Código Civil.
Mas,
evidentemente, que esta decisão – completamente esdrúxula e sem amparo
constitucional e infraconstitucional ao nosso sentir – se aplica tão-somente às
partes envolvidas no processo, não tendo eficácia erga omnes e efeito vinculante,
como é o caso das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.
Como
não houve mutação legislativa, não existe, de plano, a institucionalização do
casamento civil entre pessoas do mesmo sexo no Brasil.
Há necessidade de processo judicial encaminhado ao Juízo Estadual da Vara da
Família competente, para que seja autorizado – se o juiz local assim entender –
o pedido de habilitação para o casamento civil.
Assim,
também este fundamento usado pelo Conselho Nacional de Justiça para instituir o
casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, inobstante os óbices legais, não
se sustenta juridicamente.
3) Sobre
o princípio constitucional da liberdade de consciência e seu corolário, o
instituto da Objeção de Consciência.
Trata-se
a Objeção de Consciência da possibilidade jurídica de recusa,
por um indivíduo, da prática de um ato que colida frontalmente com suas
convicções morais e religiosas, por imperativo categórico de sua consciência.
Seria, assim, uma possibilidade de escusa de cumprimento de um dever legal
baseada em princípios ou costumes de natureza e ordem religiosa, moral,
filosófica e, lato sensu,
ideológica. Nas palavras do jusfilósofo John Rawls [8] seria onão-cumprimento de uma injunção legal ou de uma
ordem administrativa por
razões de justiça e equidade. Tal possibilidade jurídica está assegurada pela
nossa Constituição Federal de 1988.
Mais
que isso, historicamente, este é um imperativo ético – que depois se tornou
jurídico – que sempre foi utilizado, na história das sociedades, por razões
fundadas na dignidade da pessoa humana e na liberdade de consciência. Os
exemplos, neste sentido, desde os tempos bíblicos, são muitos. Também no
chamado mundo da cultura clássica (Grécia e Roma) encontramos laivos do uso
deste tipo de objeção, assim como no período medieval – especialmente, com os
reformadores protestantes [9] – e
na passagem para os tempos modernos, onde este instituto encontrou assento
político-constitucional.
Em
termos de legislação internacional ou supranacional, na Declaração Universal dos Direito do Homem (DUDH) de 1948, no art. 18, nº
1, está consagrado que “toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento,
de consciência e de religião”, e, como consequência disso, “a liberdade
de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a
religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado,
pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”. No bojo disso, temos como corolário deste
dispositivo da DUDH, a objeção de consciência. Também, o nº 2, deste
mesmo artigo da Declaração diz, in verbis:
“ninguém
pode ser objeto de pressões que atentem à sua liberdade de ter ou adotar uma
religião ou uma convicção da sua escolha”.
A
Constituição Federal Brasileira de 1988 alude expressamente à objeção de
consciência no art. 143, §1º, quando afirma: “Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir
serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença
religiosa e de convicção filosófica ou política, para se
eximirem de atividades de caráter essencialmente militar”. Da mesma forma,
estabelece em dois outros dispositivos uma espécie de cláusula geral de objeção de consciência,
nos seguintes termos:
Art.
5º:
VI – é
inviolável a liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma
da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias;
VIII
– ninguém será privado de direitos por motivo de confissão religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa,
fixada em lei.
Destarte,
nenhum servidor ou funcionário cartorário está obrigado a cumprir a Resolução
nº 175/2013 do CNJ não só pelo direito humano fundamental de objeção de
consciência que tem, mas também pelo fato de que, como deixamos in
clarisanteriormente, trata-se de uma resolução
inconstitucional e mesmo ilegal.
4) Sobre
o poder regulamentar do CNJ:
O
STF já reconheceu em diversas oportunidades o poder regulamentar do Conselho
Nacional de Justiça. Neste sentido, por exemplo: no julgamento da ADI
3.367/2005; mais recentemente o MS 27.621, onde o Plenário do Supremo Tribunal
Federal considerou válido o ato do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que
obrigou todos os juízes do país, com função executiva, a se cadastrarem no
sistema Bacen Jud; também o MS 28.611 – que ressaltou os limites da competência
do CNJ –; entre outros julgados. Ou seja, não há que
se discutir o poder regulamentar do CNJ, quando se trata de regulamentação interna corporis do Poder Judiciário
nacional.
Ocorre
que, segundo está claramente estabelecido no art. 103-B, §4º da Constituição
Federal, que trata da competência do CNJ, não se pode
ampliar de tal modo, como se fez na Resolução nº 175/2013 sub examine, o poder
regulamentar deste órgão de funções tipicamente administrativa. Neste
sentido, está evidente que a própria CF não concedeu ao CNJ competência para,
no exercício do seu poder regulamentar, extrapolar a sua função de “controle
interno” do Poder Judiciário, imiscuindo-se em regular situações
jurídicas que são da competência exclusiva do Poder Legislativo. Da mesma
maneira, não é facultado ao CNJ, no exercício do seu poder regulamentar,
imiscuir-se, mitigando, direitos individuais de natureza
constitucional-fundamental.
Neste
sentido, lecionam os publicistas Lenio Luiz Streck, Ingo Wolfgang Sarlet e
Clemerson Merlin Clève, em clássico e insuperável artigo sobre “Os limites
constitucionais das resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)" [10]:
“No
Estado Democrático de Direito, é inconcebível permitir-se a um órgão
administrativo expedir atos (resoluções, decretos, portarias, etc) com força de
lei, cujos reflexos possam avançar sobre direitos fundamentais,
circunstância que faz com que tais atos sejam ao mesmo tempo legislativos e
executivos, isto é, como bem lembra Canotilho, a um só tempo ‘leis e execução
de leis’.
(…)
O
fato de a EC 45 estabelecer que os Conselhos podem editar atos regulamentares
não pode significar que estes tenham carta branca para tais regulamentações. Os
Conselhos enfrentam, pois, duas limitações: uma,
stricto sensu, pela qual não podem expedir regulamentos com caráter geral e
abstrato, em face da reserva de lei; outra, lato sensu, que diz respeito a
impossibilidade de ingerência nos direitos e garantias fundamentais dos
cidadãos. Presente,
aqui, a cláusula de proibição de restrição a direitos e garantias fundamentais,
que se sustenta na reserva de lei, também garantia constitucional. Em
outras palavras, não se concebe – e é nesse sentido a lição do direito alemão –
regulamentos de substituição de leis (gesetzvertretende Rechtsverordnungen) e
nem regulamentos de alteração das leis (gesetzändernde Rechtsverordnungen). É
neste sentido que se fala, com razão, de uma evolução do princípio da reserva
legal para o de reserva parlamentar.
(…)
Portanto,
as resoluções que podem ser expedidas pelos aludidos Conselhos não podem criar
direitos e obrigações e tampouco imiscuir-se (especialmente no que tange à
restrições) na esfera dos direitos e garantias individuais ou coletivas. O
poder “regulamentador” dos Conselhos esbarra, assim, na impossibilidade de
inovar. (…)Qualquer resolução que signifique inovação será, pois,
inconstitucional”.
Infelizmente,
ao contrario de tudo isso, o que a Resolução n.º 175/2013 do Conselho Nacional
de Justiça fez foi exatamente o que prelecionam os juristas retromencionados.
Em especial, apresenta-se, inconstitucionalmente, como um regulamento de substituição de leis (gesetzvertretende
Rechtsverordnungen) ou
mesmo como um regulamento
de alteração de leis (gesetzändernde Rechtsverordnungen), invadindo,
assim, sem temor ou cerimônia, a esfera de competência do Poder Legislativo. Mais ainda, avançando sobre o direito fundamental de
objeção de consciência dos servidores cartorários de todo o país.
Por
todas essas razões fácticas e jurídicas anteriormente explicitadas, entendemos
que não merece, de fato e de direito, prosperar a Resolução nº 175/2013 do CNJ.
5) Medidas
da ANAJURE para a Igreja Evangélica e os Cristãos que trabalham em Cartórios.
Ex
positis, o Conselho Diretivo Nacional da ANAJURE – Associação
Nacional de Juristas Evangélicos – no
uso das suas atribuições estatutárias e regimentais, Resolve:
Aprovar Moção de
Repúdio à
publicação da Resolução Nº 175, de 14 de maio de 2013, do Presidente do
Conselho Nacional de Justiça, Ministro Joaquim Barbosa, por entender ser esta
flagrantemente inconstitucional, ilegítima e autoritária;
Posicionar-se publicamente em
defesa do Estado Democrático de Direito e do respeito ao Princípio da Soberania
Popular e ao Princípio da Separação de Poderes, basilares do Sistema
Constitucional brasileiro;
Prestar assistência jurídica aos servidores e funcionários cristãos
dos Cartórios, através da sua rede de juristas em todo o país, inclusive,
a fim de que, em uma eventual ação judicial, se possa haver o Controle Difuso
de Constitucionalidade da Resolução normativa editada pelo CNJ;
Conclamar os legitimados universais do art. 103 da
Constituição Federal a fim de propor Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI –
para que o Supremo
Tribunal Federal exerça o
devido Controle Abstrato de Constitucionalidade da Resolução normativa editada
pelo CNJ.
Em especial que algum Partido Político, com representação no Congresso Nacional
(art. 103, VIII), faça-o por ser medida de extrema necessidade. Ou mesmo o
Conselho Federal da OAB, historicamente guardião da sociedade contra os abusos
do Poder Estatal, nos três níveis de poderes.
Enviar aos presidentes das diversas denominações
evangélicas nacionais a presente Carta e Parecer a
fim de orientar os líderes e igrejas no tocante aos fatos jurídicos aqui
descritos e analisados.
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