CRISTIANISMO E UNIVERSIDADE

Seja bem-vindo a "CRISTIANISMO E UNIVERSIDADE". Aqui procuraremos apresentar artigos acerca de assuntos acadêmicos relacionados aos mais diversos saberes, mantendo sempre a premissa de que a teologia é a rainha das ciências, pois trata dos fundamentos (pressupostos) de todo pensamento, bem como de seu encerramento ou coroamento final. Inspiramo-nos em John Wesley, leitor voraz de poesia e filosofia clássica, conhecedor e professor de várias línguas, escritor de livros de medicina, teólogo, filantropo, professor de Oxford e pregador fervoroso do avivamento espiritual que incendiou a Inglaterra no século XVIII.

A situação atual é avaliada dentro de seus vários aspectos modais (econômico, jurídico, político, linguístico, etc.), mas com a certeza de que esses momentos da realidade precisam encontrar um fator último e absoluto que lhes dê coerência. Esse fator último define a cosmovisão adotada. Caso não reconheçamos Deus nela, incorreremos no erro de absolutizar algum aspecto modal, que é relativo por definição.

A nossa cosmovisão não é baseada na dicotomia "forma e matéria" (pensamento greco-clássico), nem na dicotomia "natureza-graça" (catolicismo), nem na "natureza-liberdade" (humanismo), mas, sim, na tricotomia "criação-queda-redenção" (pensamento evangélico).

ESTE BLOG INICIOU EM 09 DE JANEIRO DE 2012





terça-feira, 27 de agosto de 2013

COSMOVISÃO, IMAGINÁRIO E MITO




Prof. Glauco Barreira Magalhães Filho e Prof. Paulo Bonavides nos 110 anos da Faculdade de Direito da UFC


COSMOVISÃO E IMAGINÁRIO

O Imaginário corresponde ao “sem fundo” do ser humano, ou seja, ao seu aspecto insondável. É por ele que ressentimos o mundo de forma criadora.
O imaginário é anterior à racionalidade e à imaginação, sendo a condição de possibilidade tanto de uma como da outra. Ele se expressa pela razão (logos) e pelo sentimento (pathos). Nele, encontramos um manancial criativo simbo-lógico (simbólico e lógico). Desse modo, o imaginário não é “sufocado” pela racionalidade, mas também não está justificado para agir de modo inconsequente. A razão não pode existir sem a fundação no imaginário, enquanto o imaginário se expressa por meio de determinações lógicas impostas pela razão. Até mesmo quando o imaginário transcende a razão, ele tem “razões”. Como disse Pascal, há razões no coração que razão não compreende.
A imaginação (segunda vertente do imaginário ao lado da razão) é que dá significado às imagens. Ela revela as potencialidades do ser humano para impregnar a realidade de sentido, ordenando o caos das sensações. Quando Deus chamou a Adão para dar dome aos animais, ele deu ao homem a prerrogativa de conferir sentido ao mundo. Obviamente, isso não aconteceu de modo arbitrário, pois o homem, como sub-criador, teria que criar sentido dentro do escopo da criação divina e não de modo antagônico a ela.
            O imaginário representa uma abertura para a transcendência ou para a “alteridade”. É o que permite o salto da natureza para a consciência. Como a natureza não pode extravasar os seus próprios limites, Castor Bartolmé Ruiz conclui:

“... Esse salto qualitativo da natureza para a consciência extrapola qualquer forma de evolução simplesmente natural e nos força a repensar a presença de uma ação criadora além da mera evolução da consciência animal”.

                É através do imaginário que atribuímos sentido as coisas e as religamos numa rede significativa chamada de cosmovisão. Bartolomé Ruiz explica:

“A pessoa se religa ao mundo por meio da rede de sentidos que constitui sua identidade. É assim como transforma o caos das impressões sensoriais num cosmo de sentidos... Ele configura o mundo natural dado como um cosmo de sentidos criados, uma cosmovisão”.

               Toda cosmovisão presume um sistema metafísico. Segundo Dilthey, somente a metafísica possibilita ao homem uma firme posição na realidade e uma meta objetiva a ser seguida. Willhelm Dilthey também observa que todo sistema filosófico encerra pressupostos indemonstráveis. Isso não significa que não se possa argumentar a favor de um ou de outro, mas, sim, que essa argumentação visa à persuasão, não à demonstração.
               O “sem fundo” humano é o imaginário radical (de onde brotam a racionalidade e a imaginação). Ele também pode ser chamado de coração (Pascal) ou o “eu” (Herman Dooyeweerd). Como esse imaginário radical define a cosmovisão e as questões últimas (quem somos, de onde viemos, para onde vamos), ele é necessariamente religioso. Mircea Eliade diz que o “homem arcaico” é religioso (e simbólico) e Georg Simmel fala de um sentimento radical de piedade que atribui sentido transcendente a certas relações.
               Herman Dooyeweerd, jurista e filósofo holandês, explicou que o pensamento teórico “está sempre relacionado ao eu, ao ego humano; e esse ego, como centro e unidade radical de nossa existência e experiência total, é de natureza religiosa. Assim, todo o conhecimento real encontra suporte de coerência no conhecimento do absoluto, uma vez que o ego é o assento central da “imago Dei'”. Para Dooyeweerd, ao deixar o homem de reconhecer o legítimo absoluto, acabará absolutizando algum aspecto da realidade, reduzindo os outros aspectos a condição de epifenômenos do aspecto absolutizado. Na sua opinião, as principais forças teóricas que tem atuado no Ocidente para definir cosmovisões são as dicotomias “forma-matéria” (Grécia clássica), “natureza-graça” (catolicismo romano), “natureza-liberdade” (humanismo), bem como a tricotomia “criação-queda-redenção” (protestantismo)[1].
              Atualmente, o pensamento pós-moderno é apresentado como o fim das grandes narrativas (cosmovisões), mas isso é uma forma de imunizá-lo de refutações. Na verdade, o pós-modernismo é um tipo cosmovisão, mas com a fraqueza de refutar a si mesma.

            IMAGINÁRIO E MITO

            A “alteridade” do mundo exerce pressão sobre a força criadora da “psique” para que se expresse na construção cultural de instituições sociais e identidades pessoais. O poder objetivante do imaginário, entretanto, refreia a sua própria potencialidade criadora, garantindo estabilidade e conservação.
            Na formação da identidade, atua tanto uma sublimação criadora que busca plenitude num universo ilimitado como uma “repressão” (decorrente do princípio realidade), garantindo a última o rosto ou identidade do sujeito histórico. Há aqui o equilíbrio entre o “princípio do prazer” e “o princípio da realidade”.
            O termo grego “symbolon” significa a reunião de partes separadas (fraturadas) numa nova unidade significativa. Ao conferir sentido às coisas, o homem realiza a sua juntura simbólica com o mundo. Assim, não apenas explicamos o mundo de modo racional, mas nos implicamos nele de modo criativo através do sentido que atribuímos às coisas e as nossas práticas. Desse modo, nos mundanizamos enquanto humanizamos o mundo.
            O simbólico é responsável pela integração do individual e do coletivo. É forma cultural definida e abertura indefinida de sentido. Ele não é óculos que distorce o real, mas o modo de acesso do homem ao mundo.
O simbolismo transcende o signo, pois, usando-o como referência, também o molda metaforicamente, relacionando-o a um universo maior. O simbólico, como elemento de expressão do imaginário, tem estrutura paradoxal, pois transita entre os espaços da consciência e da inconsciência.
            A alegoria envolve a relação de um símbolo com outros signos, interligando significados e criando uma unidade narrativa. Símbolos e alegorias formam redes narrativas que criam visões explicativas da realidade ou cosmovisões, as quais, por sua vez, nos dão a estrutura mítica do mundo.
            O mito explica, mas não esgota o sentido do mundo. Está sempre aberto para significados mais coerentes e de maior potencial explicativo. Notadamente, no sentido aqui adotado, “mito” não implica falsidade ou alucinação.
            A estrutura de sentido criada pelo mito instaura o universo simbólico pelo qual as pessoas e a sociedade constroem o real. No mito, temos teorias explicativas que funcionam como forma simbólica de aproximação do real. Elas estão sempre expostas ao princípio da falsificabilidade, o que permite que possam ser superadas ou substituídas por formulações melhores ou mais verdadeiras.
Aquilo que é descoberto pelo “logos”, bem como a existência humana, requerem um pano de fundo que confira coerência e sentido. É nesse momento que se revela a dimensão antropológica do mito. O imaginário se manifesta como símbolo e como “logos”, necessitando dos dois para expressar-se e existir.
            Pelo exposto, vemos superada a concepção de mito que o associa a narrativas pré-científicas de povos selvagens e integra-se o mito ao seio das formulações científicas coerentes e verdadeiras. Assim, encontramos teorias mítico-explicativas na física quântica, na teoria da relatividade, na física subatômica, nos estudos do genoma humano, etc. Elaborações simbólicas funcionam como paradigmas para definir conclusões racionais dentro dos modelos teóricos.
            Em relação ao passado, o mito funciona como sistema último de referência a partir do qual a história se compreende. Em relação ao futuro, ele integra a categoria da esperança. 

Prof. Glauco Barreira Magalhães Filho





[1] Sendo calvinista, Dooyeweerd dirá que os três primeiros exemplos são formas apóstatas do direcionamento religioso do “eu”, enquanto a tricotomia “criação-queda-redenção” representa a orientação sã do ego religioso.

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