http://jus.com.br/revista/texto/24514/o-casamento-gay-e-ato-inexistente
As decisões judiciais que reconhecem a união civil entre pessoas do mesmo
sexo e a recente resolução do CNJ atentam, elas sim, contra a laicidade do
Estado.
Causa
estarrecimento a recente resolução do Conselho Nacional de Justiça, de n.º 175,
que obriga os cartórios a celebrar o casamento de pessoas do mesmo sexo. Até
pouco tempo, não havia dúvidas de que o casamento havido entre pessoas do mesmo
sexo era negócio jurídico inexistente.
Já
atropelavam a Constituição as decisões judiciais, inclusive do Supremo Tribunal
Federal, que reconheciam a existência e atribuíam efeitos jurídicos à união
civil entre pessoas do mesmo sexo. Tais decisões, como a recente resolução do
CNJ, causam perplexidade e suscitam o questionamento sobre os limites da atuação
do Poder Judiciário. Poderá ele reescrever a Constituição, atribuindo-se funções
de legislador constituinte, invocando princípios para solapar a letra expressa
do texto constitucional? Está correto do ponto de vista técnico fazer prevalecer
princípios, cujo conteúdo é sempre maleável, em detrimento da letra expressa do
texto constitucional?
Ora,
o art. 226, § 3.º, da Lei Maior é de clareza meridiana:
“§ 3.º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento”.
Em outras palavras, nem mesmo a união civil pode se dar entre pessoas do
mesmo sexo. Também ela é inexistente aos olhos do direito, por mais que se
invoquem princípios de discutível conteúdo, quanto mais o casamento. A dualidade
de sexos é elemento essencial da união civil, diz o Constituinte. Coisa diversa
é a sociedade de fato, que não constitui entidade familiar, pode ser formada por
pessoas do mesmo sexo e ter consequências jurídicas. Casamento gay e união civil
entre pessoas do mesmo sexo são construções de vento, ficções, mas não ficções
jurídicas, pois nem sequer penetram no mundo do direito.
O Poder Judiciário envereda por caminho perigoso, antidemocrático,
totalitário, manietando a ampla discussão que o tema deve ter. Introduz, manu
militari, com desprezo da opinião pública e ignorando a atuação do Parlamento,
inovações graves no ordenamento jurídico, tão somente com base em princípios,
repita-se, de conteúdo discutível, de forte carga ideológica, e contrariamente a
texto expresso promulgado pelo Poder Constituinte Originário.
O
direito não pode ficar refém de ideologias. Não pode se curvar e estar a serviço
de crenças liberalizantes em matéria sexual. Ideologia não se impõe no tapetão.
Crenças materialistas não detém, na Constituição, qualquer privilégio em relação
a crenças de outra ordem. Na Constituição, materialismo e espiritualismo
equivalem-se. Não se impõe materialismo por sentença.
Será
que nos apercebemos da gravidade da situação?
Invoca-se
a laicidade do Estado, apesar de geralmente haver abuso no emprego desse
argumento.
Agora,
é jurídico decidir com base em princípios quando há texto constitucional
expresso, emanado do Poder Constituinte Originário? E os outros princípios
expressos da república, do estado de direito, da separação de poderes, da
liberdade de pensamento e de crença, da soberania popular? Qual é a sua
extensão? Ou invocar a república e o estado de direito comprometem a laicidade
do Estado? A separação de poderes é dogma jurídico ou de que natureza? O poder
emana do povo ou dos juízes? É o povo quem dá o poder aos juízes, não o
contrário.
Tenho
para mim que as decisões judiciais que reconhecem a união civil entre pessoas do
mesmo sexo e a recente resolução do CNJ atentam, elas sim, contra a laicidade do
Estado. Explico.
De um lado, elas não têm assento na lei, na Lei Maior, no texto
constitucional, portanto, não têm substrato jurídico. De outro, não se assentam
na natureza humana, pois diz-se que o gênero é uma construção social. De outro
ainda, não se assentam na soberania popular, senhora do seu destino.
Assentam-se, ao revés, em princípios que, infelizmente, estão sujeitos a
manipulações ou servem a construções ideológicas. Comprometem-se, portanto, tais
atos com uma visão de mundo segundo a qual os homossexuais são vítimas da
sociedade, e o homossexualismo é um supervalor humano.
A
pergunta, pois, que não quer calar é se estado confessional é apenas aquele que
professa uma fé religiosa ou se o é aquele que impõe uma ideologia oficial. Para
mim, a resposta à indagação é óbvia. Não se pode proscrever uma fé oficial de
cunho metafísico e tornar obrigatório um credo materialista, ainda que
travestido de direitos humanos.
Outra
questão que se põe é a seguinte: existe liberdade absoluta em matéria sexual? Se
nenhum direito é absoluto, por que o seria o de contrair casamento
contrariamente à lei natural? A sociedade inteira não tem o direito de opinar e
influir nas decisões do Estado em matéria familiar? Por que razão deteria o
Poder Judiciário mais legitimidade ou autoridade do que o povo, do qual se diz
que o poder emana e que o exerce diretamente ou por meio de representantes
eleitos, para determinar, com base em princípios de questionável conteúdo e
alcance, forjados nos laboratórios da ideologia, e não em texto constitucional
expresso, o desenho, a moldura, o caráter da sociedade ou entidade
familiar?
A
norma emanada da Resolução n.º 175 do CNJ é ato inexistente. Tanto quanto a
união civil e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, não encontra suporte no
ordenamento jurídico brasileiro, no estado de direito, na soberania popular, na
separação de poderes, na laicidade do Estado e no art. 226, § 3.º, da
Constituição. Não vale a tinta com que foi escrita. É uma ficção e não merece
cumprimento.
Paul Medeiros Krause
Procurador do Banco Central em Belo Horizonte (MG),
Ex-analista processual na Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais
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