Foto com dois heróis anônimos nesse formigueiro humano chamado Terra
Como
anabatista, eu poderia simplesmente dizer que eu e minha igreja não nos
envolvemos em política partidária nem temos candidatos próprios, reservando
apenas para a nossa vocação a missão profética, que inclui o protesto contra
leis ímpias e contra a degradação moral da cultura. Não digo que mencionar isso
NÃO me foi uma tentação no presente. No entanto, não é hora para abandonar o restante dos
evangélicos que tem uma visão mais envolvida de cidadania terrena para a “cova
dos leões”. Resolvi, portanto, aqui, falar como porta voz da tradição
evangélica mais ampla que a minha. Não incluo nela, porém, os defensores da “teologia
da prosperidade” nem os teólogos progressistas ou liberais. Esses se
desvincularam completamente da herança evangélica verdadeira. Eu me refiro à
tradição que inclui a Reforma Protestante do século XVI, os avivalistas
(séculos XVIII e XIX) e o movimento dos “fundamentos” nos EUA (século XX).
A tradição evangélica
tem influência de dois grandes movimentos: o puritanismo e o metodismo. O
primeiro vem do calvinismo, e o segundo, embora tenha surgido no anglicanismo,
tem a influência direta do pietismo luterano.
Pela vertente
puritana, seria difícil um cristão se enquadrar nos modos de fazer política que
predominam hoje. Os políticos de hoje galgam ascensão, sobrelevando as suas
ações e denegrindo a dos outros. A piedade puritana se baseava em reconhecer
profundamente a corrupção humana, exaltando sempre a graça de Deus. O puritano
estava sempre confessando os seus erros, buscando a contrição, fazendo
autoexame e desconfiando de suas próprias motivações. Ele não dava a si mesmo o
benefício da dúvida e, por isso, podia identificar logo as sementes do pecado,
não permitindo que brotassem. Paralelamente a isso, o princípio da caridade
cristã lhe exigia sempre pensar bem sobre o seu próximo, buscando a melhor
interpretação, a mais benevolente, sem, porém, nunca ignorar ou ficar cego para
fatos evidentes. Em outras palavras, ele era radical consigo mesmo e paciente
com o próximo.
Quando um
evangélico se envolve na FORMA de se fazer política hoje, ele se afasta de suas
raízes, do exercício da piedade, tornando-se menos evangélico, ou, então, já
foi atraído para esse jogo por ser um pseudo-evangélico.
Os metodistas
destacavam a prática de obras de piedade (santificação individual) e obras de
misericórdia (santificação social). Para eles, a última não se coadunava com
uma vida de ostentação. O lema dos metodistas incluía trabalhar duro,
economizar (interditar o gasto supérfluo) e distribuir o acumulado para missões
e ajuda aos necessitados (“Ganhe Tudo o
que Puder, Poupe Tudo o que puder, Doe Tudo o que puder”).
Eu desconfio de
filantropos que se tornam políticos, de obras sociais de iniciativa privada que
se alimentam de dinheiro público... como desconfio de figuras religiosas (como
João de Deus) que atraem simpatia de artistas da Globo. Prefiro a obra social
daquele que não muda o seu estilo de vida depois que a começa e onde a missão é
promovida, não a personalidade.
Temo que
escândalos recentes prejudiquem a imagem daqueles que fazem trabalhos sociais
sinceros e desestimulem uma lúcida assistência aos necessitados. João Wesley,
líder metodista do século XVIII, disse:
“Faça todo o bem que puder,
Por todos os meios que puder,
De todas as maneiras que você
pode,
Em todos os lugares que você
puder,
Em todas as vezes que você puder,
Para todas as pessoas que você
puder,
Enquanto você pode, sempre.”
Lamento que alguns tomem esses exemplos ruins para falar contra o
evangelho e mesmo contra Deus. O maior crime das pessoas que usam o evangelho,
porém, é contra o próprio evangelho e contra Deus. Atacar o evangelho é atacar
a esperança dos aprisionados pelo vício, pelo abandono, pela promiscuidade,
pela amargura, pelo ressentimento. Esqueça esses exemplos ruins e veja quantas
pessoas tiveram uma vida transformada pelo verdadeiro evangelho, pessoas que já
estariam mortas, num hospício, no crime, na vergonha, se não fosse a mensagem
do Cristo que, por amor de nós, foi crucificado!
Não fale contra Deus, pois é pela sua longanimidade que eu e você não
fomos consumidos ainda. A natureza humana corrompida que atua nessas pessoas
que recriminamos está dentro de nós. Estou escrevendo um livro para o próximo
ano sobre o filósofo alemão Karl Jaspers. Ele falou em uma culpa coletiva e
metafísica, uma cumplicidade da humanidade no mal que nos deveria fazer
humildes e vigilantes.
David Brainerd, que dedicou a sua vida aos índios, quando era elogiado,
sentia certa tristeza. Ele dizia que a pessoa que o elogiava não conhecia o seu
coração, não sabia quando inclinações contrárias ao bem ele teve que vencer no
íntimo em cada boa ação que praticou.
Alguns precipitados dizem: “Por
que Deus não acaba com o mal no mundo?”. A resposta é simples: Ele poderia
fazer isso agora, bastaria acabar com todos nós. O mal está na nossa natureza
caída de sua posição original. Destruir o mal seria, portanto, destruir a
humanidade. Deus, porém, quer nos libertar individualmente de nossa natureza
caída para nos enxertar em uma nova humanidade que está em Cristo. Deus não
quer destruir a humanidade agora porque quer salvar indivíduos humanos. Na sua
paciência, ele adia o julgamento da humanidade para salvar indivíduos humanos.
Deus ama mais pessoas que uma humanidade genérica. Ele ama o José, a Maria, o
João, o Glauco... Ele ama VOCÊ e quer salvar a sua vida!
Rev. Glauco Barreira Magalhães Filho
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