CRISTIANISMO E UNIVERSIDADE

Seja bem-vindo a "CRISTIANISMO E UNIVERSIDADE". Aqui procuraremos apresentar artigos acerca de assuntos acadêmicos relacionados aos mais diversos saberes, mantendo sempre a premissa de que a teologia é a rainha das ciências, pois trata dos fundamentos (pressupostos) de todo pensamento, bem como de seu encerramento ou coroamento final. Inspiramo-nos em John Wesley, leitor voraz de poesia e filosofia clássica, conhecedor e professor de várias línguas, escritor de livros de medicina, teólogo, filantropo, professor de Oxford e pregador fervoroso do avivamento espiritual que incendiou a Inglaterra no século XVIII.

A situação atual é avaliada dentro de seus vários aspectos modais (econômico, jurídico, político, linguístico, etc.), mas com a certeza de que esses momentos da realidade precisam encontrar um fator último e absoluto que lhes dê coerência. Esse fator último define a cosmovisão adotada. Caso não reconheçamos Deus nela, incorreremos no erro de absolutizar algum aspecto modal, que é relativo por definição.

A nossa cosmovisão não é baseada na dicotomia "forma e matéria" (pensamento greco-clássico), nem na dicotomia "natureza-graça" (catolicismo), nem na "natureza-liberdade" (humanismo), mas, sim, na tricotomia "criação-queda-redenção" (pensamento evangélico).

ESTE BLOG INICIOU EM 09 DE JANEIRO DE 2012





terça-feira, 4 de junho de 2013

ESTADO TOTALITÁRIO E FAMÍLIA



            A família constituída pela união de um homem e uma mulher e de sua prole é a “base da sociedade” (art. 226 da CF). Notemos que, no texto constitucional, ela não está relacionada ao Estado, mas à sociedade, pois é anterior ao Estado. Da família surgiu o clã, do clã surgiu a tribo, e, a partir daí, começaram a aparecer as cidades. Em toda cultura, a família foi constituída pela união entre homem e mulher. Até entre povos onde houve muita prática homossexual (Grécia, Sodoma), a única família reconhecida era decorrente do casamento heterossexual. A família é a célula "mater" da sociedade por causa do seu poder de reprodução, o que leva a formação de entidades sociais mais numerosas e complexas.
            A família possui um substrato biológico (união entre homem e mulher e a prole decorrente dessa união) e um sentido cultural variável (poligamia atual ou sucessiva, bem como a monogamia indissolúvel), mas sempre o cultural apoiado no substrato biológico. Os cristãos, por razões morais e lógicas, defendem a monogamia, mas entendem a poligamia como um tipo de família, embora pervertido. Acerca dos elementos natural e cultural do casamento, discorreu Hegel:

            “Como fato moral imediato, O CASAMENTO CONTÉM, EM PRIMEIRO LUGAR, O ELEMENTO DA VIDA NATURAL, E ATÉ COMO FATO SUBSTANCIAL, CONTÉM A VIDA NA SUA TOTALIDADE, QUER DIZER, COMO REALIDADE DA ESPÉCIE E DA SUA PROPAGAÇÃO. Porém, em segundo lugar, na consciência de si, a unidade dos SEXOS NATURAIS, que só é interior a si ou existente em si e que, portanto, na sua existência apenas é unidade exterior, transforma-se numa UNIDADE ESPIRITUAL, num amor consciente”.[1]

            A família constituída a partir da união entre homem e mulher é defendida não apenas por todas as grandes religiões monoteístas (protestantismo, catolicismo, judaísmo e islamismo), mas foi e é defendida entre as culturas pagãs e ateias (comunistas). Da mais primitiva tribo indígena aos grandes impérios, por maior que pudesse ter sido a promiscuidade, a família reconhecida decorria da união entre pessoas de sexo diferente.
            A família, por ser anterior ao Estado, é um limite ao seu poder. Entre os romanos, existia tanto o culto aos deuses do Estado (públicos) como o culto aos ancestrais (religião doméstica). Havia uma divisão de competências entre a religião pública e a religião privada (familiar). Aristóteles disse que a sociedade doméstica existia como uma unidade ao lado da polis. Platão inicialmente defendeu um totalitarismo político em sua “República”, colocando a família sob o controle completo do Estado, o qual escolheria os cônjuges e educaria a prole, mas voltou atrás quando escreveu o seu livro “As Leis”.
            Herman Dooyeweerd fez a seguinte observação sobre o império romano:

      "Como poderia a pessoa individual manter a sua liberdade ante o Leviatã romano?... Isto só se deve ao fato de que a antiga família indiferenciada a mantinha... Ao longo da duração do império romano, a família continuou protegendo a liberdade de comércio e indústria. [...] Nos dias dos imperadores bizantinos... a ideia grecoriental de 'sacrum imperium' avançou mais. Isso significou o fim da liberdade civil para o indivíduo. Os gregos não tinham notícia da família romana, e a ideia de marcar sua jurisdição religiosamente frente ao Estado era-lhes estranha. Nesta época, foi destruído o único baluarte da ideia romana de liberdade. Foi engolfada por um absolutismo estatal irrestrito, contra o qual nem sequer o 'jus gentium' pôde oferecer resistência". (Las Raíces de la Cultura Occidental. Barcelona: CLIE, 1998, p. 28-29).

            Reconhecemos que entre certos animais possa haver eventualmente encontros sexuais entre machos pelo fato de a força instintiva do cio, às vezes, cegar para a distinção entre macho e fêmea, porém não encontramos relacionamento sexual entre fêmeas na vida animal. Além disso, os animais só se aglutinam em unidades familiares em torno dos filhotes, o que implica a presença de macho e de fêmea. Até a vida animal se ajusta ao conceito evidente de família.
            Émile Durkheim disse:

       “O que constitui verdadeiramente o respeito pela lei é o fato de ela expressar as RELAÇÕES NATURAIS DAS COISAS; sobretudo numa DEMOCRACIA, os indivíduos só a respeitam na medida em que lhe reconhecem esse caráter.”[2]

            A Constituição Brasileira de 1988, sendo contrária ao totalitarismo, distinguiu a família e a sociedade do Estado, sendo as duas primeiras realidades anteriores ao Estado e o seu limite natural. O artigo 227 da CF diz:

            “É dever da FAMÍLIA, da SOCIEDADE e do ESTADO assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

            A família está entre os corpos intermediários mencionados por Montesquieu para se colocar entre o Estado e o indivíduo, sendo imprescindível para a divisão vertical do poder. Durkheim disse que a família era mais importante que um grupo profissional, pois o grupo profissional só compreende parte da existência (a profissão), enquanto a família abarca a totalidade da existência (consanguinidade, comunidade de interesses, comunidade de culto, etc). Para o sociólogo francês, a família é uma miniatura da sociedade política.
Quando o Estado ousa redefinir de forma arbitrária e antinatural o conceito de família, ele engolfa uma realidade que deveria ser um de seus limites. A família, como instância situada entre o indivíduo e o Estado é suprimida, aumentando o poder do Estado.
            Durkeim disse:

         “Nosso mal político está ligado, portanto, à mesma causa que nosso mal social: à ausência de quadros secundários intercalados entre o indivíduo e o Estado. Já vimos que esses grupos secundários são indispensáveis para que o Estado não seja opressor do indivíduo; vemos agora que eles são necessários para que o Estado seja suficientemente liberado do indivíduo.”[3]

       O grande jurista holandês Herman Dooyeweerd disse que o totalitarismo é uma ameaça para a “soberania das esferas”. Assim, instituições que refletiam diferentes aspectos da natureza humana (como a universidade e a família) deveriam ter sua esfera de competência subtraída da ingerência estatal. Hoje, entretanto, o Estado controla as universidades, definindo-lhe modos de ingresso (Enem, cotas, etc.) e quer definir arbitrariamente a família. Ao mesmo tempo em que o Estado faz propostas legislativas sobre a forma de os pais disciplinarem os filhos (“lei da palmada”), políticos cogitam do fim do dia dos pais e do dia das mães (por causa dos filhos adotados por “casais” do mesmo sexo). Por outro lado, as crianças, filhas de pessoas do mesmo sexo que se valerão da inseminação artificial ou da barriga de aluguel, não terão direito, a depender do caso, de saber quem é o seu pai ou a sua mãe biológica.
        Como a LGBT aglutina bissexuais e transexuais, eu fico perguntando se os bissexuais não reivindicarão, para evitar a “discriminação” (?), o direito a ter dois casamentos, cada um com pessoa de sexo diferente. 
            No dia 26 de maio de 2013, milhares de franceses protestaram contra a legalização do “casamento” homossexual na França. Entre os manifestantes estavam muitos homossexuais, que também queriam que outros tivessem pai e mãe como eles tiveram. Eram pessoas que, independentemente de sua opção sexual, sabiam o que quer dizer família e totalitarismo. Merecem os meus aplausos.

Dr. Glauco Barreira Magalhães Filho
Mestre em Direito
Doutor em Sociologia
Livre Docente em Filosofia do Direito






[1] Princípios da Filosofia do Direito. Trad. Orlando Vitorino. Lisboa: Guimarães Editores, 1990, p.  161
[2] Lições de Sociologia. Trad. Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.150.          

[3] Lições de Sociologia. Trad. Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.134.           

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